Abandono e Adopção, livro de Maria Clara Sottomayor, Eduardo Sá (Organização)

Abandono e Adopção

editora: ALMEDINA
Quando alguem adopta alguem, num plano afectivo, ou gosta dessa pessoa ou nao gosta. Isto e, ou ama ou nao ama e, se ama, deixa de ser adoptada para ser filha dela. Quando uma crianca se sente adoptada, comporta-se em relacao a familia como uma protese em relacao ao corpo: sente-se em divida, e o amor da relacao e permanentemente contaminado de hipocrisia. Quando se sente filha, faca o que fizer, nao a ameacam com o abandono, simplesmente porque faz parte dos pais. Quando se sente adoptada, faz numero na familia, mas nao faz parte dela. Quando se quer fazer de um filho uma crianca adoptada,... [Leia mais]
Descrição
Quando alguem adopta alguem, num plano afectivo, ou gosta dessa pessoa ou nao gosta. Isto e, ou ama ou nao ama e, se ama, deixa de ser adoptada para ser filha dela. Quando uma crianca se sente adoptada, comporta-se em relacao a familia como uma protese em relacao ao corpo: sente-se em divida, e o amor da relacao e permanentemente contaminado de hipocrisia. Quando se sente filha, faca o que fizer, nao a ameacam com o abandono, simplesmente porque faz parte dos pais. Quando se sente adoptada, faz numero na familia, mas nao faz parte dela. Quando se quer fazer de um filho uma crianca adoptada, ter um filho e uma obra de caridade. Quando se quer fazer duma crianca adoptada um filho, reconhecemo-nos nele, e toleramos melhor a nossa condicao humana. Sobretudo porque ele sera tudo aquilo que nao fomos e fara o que deixamos por fazer. NOTA INTRODUTORIA Tenho defendido, em muitas circunstancias, que o modo como e a vida das criancas nao tem merecido, por parte do Estado, os cuidados que elas exigem. Se, por um lado, tem havido medidas legislativas e intencoes societais relevantes que vao no sentido de proteger a vida das criancas, na verdade elas nunca tem representado uma prioridade para o proprio Estado. Nao representam quando os direitos dos pais prevalecem, quase invariavelmente, sobre os direitos das criancas. Nao representam quando se promovem varias ilegalidades como aquelas que levam a que inumeras criancas sejam protegidas com medidas provisorias que se perpetuam por anos. Nao representam quando se multiplicam (e atropelam) programas ministeriais que se dedicam as criancas em perigo (por vezes, sobrepondo esforcos tecnicos e humanos que nao se articulam uns nos outros, cuja eficacia se torna limitada e que desperdicam muitos recursos e actos generosos). Nao representam quando se criam medidas legislativas sem que, a par, se promova uma revolucao na politica da infancia, uma radical alteracao da politica social de apoio a familia, e uma profunda transformacao judicial nos procedimentos que sao tidos com elas. Neste contexto, os tribunais tem prestado relevantes servicos e, ao mesmo tempo, preocupantes omissoes em relacao aos interesses das criancas. Se ha procuradores e magistrados que tomam os interesses de cada crianca requerendo para ela o que, em consciencia, exigiriam para os seus filhos, outros ha que - por voluntarismo - tomam medidas que, diante de conflitos de interesses parentais, enviesam a interpretacao acerca dos legitimos interesses das criancas e, sob interpretacoes muito pessoais dos textos juridicos, promovem maus-tratos em nome da Lei. Para alem do mais, em muitas circunstancias, o magistrado, pese embora a sua boa fe, e muitas vezes penalizado com assessorias tecnicas tao displicentes e dilatorias que, contra a sua vontade, se ve resignado a decisoes minimalistas acerca da vida das criancas, tal e a inconsistencia dos apoios que recolhe. Num cenario como este, tenho questionado se fara sentido que as medidas de urgencia que as criancas exigem deverao ser do foro juridico-judicial ou, pelo contrario, do ambito sano-judicial. Quero dizer que, a meu ver, os criterios do que e urgente para o desenvolvimento de uma crianca deveriam ser, sobretudo, do ambito da saude, legitimados — como noutras areas do direito bio-medico — pelo poder judicial. Isto e, nao tem de ser imputado a um magistrado a competencia para declarar que um feto possa ser, continuadamente, maltratado in utero, pelos consumos politoxicodependentes da sua mae, quando a Lei nao confere a um bebe por nascer os direitos de cidadania que levariam a accionar medidas de proteccao. Nem pode ser do foro, estritamente, judicial a forma como se limita ou inibe o poder paternal que confere a um Tribunal um poder quase divino, que empurra o magistrado para uma justica salomonica (inibindo-o, na maioria das vezes, dada a violencia que uma tal decisao acaba por representar e porque ele proprio, nos seus desempenhos parentais, reconhecera - humanamente - limitacoes e falhas que, porventura, nao serao aconchegantes aos olhos da Lei). Pensando nestes e noutros aspectos, decidi re-editar (com o auxilio, precioso, da Ana Rita Seixas, da Raquel Vieira da Silva e da Sofia Goncalves) este livro. Sera, nalguns momentos, um documento de divulgacao e, noutros, um documento academico (por vezes, demasiado juridico, por vezes, excessivamente psicologico). Ainda assim, tenho esperanca que seja util e rebelde, sensato e interpelante. Estou certo que, a acontecer um dia, a 4.? edicao sera melhor. EDUARDO SA INDICE Nota Introdutoria 1. Breve Historia da Infancia Breve historia da crianca e da familia - EDUARDO SA 2. O Direito da Crianca Poder paternal e parentalidade - EDUARDO SA Poder paternal e violencia escolar - EDUARDO SA A alienacao parental - EDUARDO SA A nova lei da adopcao - MARIA CLARA SOTTOMAYOR A adopcao singular nas representacoes sociais e no direito - MARIA CLARA SOTTOMAYOR Quem sao os "verdadeiros" pais? Adopcao plena de menor e oposicao dos pais biologicos - MARIA CLARA SOTTOMAYOR 3. Criancas em Perigo Encontros com a ternura - EDUARDO SA A crianca e o perigo: clarificacao, consequencia e intervencao - EDUARDO SA/RAQUEL VEIRA DA SILVA/SILVIA MATELA/ANA ABRANTES Criancas perigosas e criancas em perigo - EDUARDO SA 4. A Crianca e a Adopcao Esterilidade e adopcao: os pais, as criancas e as circunstancias que criara (des)encontros - EDUARDO SA A adopcao e o nascimento da familia - EDUARDO SA Os meninos do sonho - EDUARDO SA A fertilizacao do sonho - EDUARDO SA

Dados Técnicos
Peso: 1000g
ISBN: 9789724034447