II Congresso Internacional de História da Arte - 2001, livro de Associação Portuguesa de Historiadores da Arte

II Congresso Internacional de História da Arte - 2001

editora: ALMEDINA
Apresentacao A consciencia de que se assiste hoje a um reforco da teoria e da pratica no campo da Historia da Arte - assim entendida como disciplina autonomizada, auto-suficiente e provida de utilidade social - perfila-se no nosso pais com contornos de nitidez. Apos o esforco pioneiro de Joaquim de Vasconcelos, Sousa Viterbo, Jose de Figueiredo e outros investigadores, no dealbar do seculo XX, passando pelo trabalho menos perceptivel da geracao de Vergilio Correia, Reynaldo dos Santos, Robert Smith, Adriano de Gusmao, ate a geracao de Flavio Goncalves, Artur de Gusmao e Jose-Augusto Franca ... [Leia mais]
Descrição
Apresentacao A consciencia de que se assiste hoje a um reforco da teoria e da pratica no campo da Historia da Arte - assim entendida como disciplina autonomizada, auto-suficiente e provida de utilidade social - perfila-se no nosso pais com contornos de nitidez. Apos o esforco pioneiro de Joaquim de Vasconcelos, Sousa Viterbo, Jose de Figueiredo e outros investigadores, no dealbar do seculo XX, passando pelo trabalho menos perceptivel da geracao de Vergilio Correia, Reynaldo dos Santos, Robert Smith, Adriano de Gusmao, ate a geracao de Flavio Goncalves, Artur de Gusmao e Jose-Augusto Franca (com o seu pioneiro Mestrado de Historia da Arte na Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas de Lisboa) e as que despontam apos o 25 de Abril de 1974, foram dados grandes passos no sentido de se re-conhecerem as existencias da arte portuguesa, atraves de pesquisas de arquivo, inventarios de campo, exposicoes monotematicas e monografias de autor, e de se tomar maior consciencia da importancia e significado da nossa producao artistica (na metropole e nos seus espacos de influencia ultramarinos) ao longo dos tempos historicos. Novas areas de criacao a par das chamadas "artes maiores" (como o Urbanismo e o Design), novas epocas mais obscurecidas (como o Maneirismo e o Rococo), entram decididamente no campo de trabalho dos praticantes de Historia de Arte. O reforco da pratica interdisciplinar, o crescendo de estudiosos activos no terreno, o alargamento de interesses da pesquisa a sub-temas e areas artisticas de ambito periferico, o estimulo do trabalho de laboratorio na area da conservacao, restauro e analise das obras, o aumento das frentes de ensino universitario, etc, estao ai a mostrar a sociedade que o papel dos historiadores da arte e, nao so util, como imprescindivel para garantir uma mais-valia de eficiencia em todas as areas da sensibilizacao patrimonial. Vitor Serrao Sessao de Encerramento Senhoras e senhores congressistas, abreviando assim os vocativos devidos, Procuro nestas ocasioes fazer mais de que dizer palavras de circunstancia, e posso dizer que ja ganhei a manha com a comunicacao do Prof. Navascues a que todos pudemos assistir. Gostaria de dizer algo mais do que manifestar o regozijo por esta realizacao, este segundo congresso de iniciativa da Associacao que, como a Presidente da Sessao teve a ocasiao de referir, ganhou um novo alento e tem um largo futuro a sua frente. Para dizer mais do que palavras de circunstancia, gostaria de pegar na organizacao tematica deste congresso, em particular nas duas ligacoes que faz: uma da Historia de Arte com uma nova politica do patrimonio, e outra interrogando-se os congressistas sobre as perspectivas da Historia de Arte, perspectivas situadas ao longo de um seculo que, de facto, a constitui ao longo de todo o seculo xx. Se me permitem, gostaria de ligar entre si estas duas ligacoes que o congresso fez. A importancia da Historia de Arte para a politica do patrimonio nao justifica observacoes, tao evidente ela e. Nao ha politica de patrimonio nem ha intervencao patrimonial sem estudo minucioso e contextualizado das obras patrimoniais e a Historia de Arte, como outras disciplinas, e ai essencial. E essencial justamente naquele sentido que a conferencia do Professor Navascues hoje mesmo tao bem ilustrou aos nossos olhos: na medida em que justamente permite contextualizar nos usos sociais, nos projectos sociais as obras patrimoniais que nos hoje consideramos como tais. Ha aqui um duplo processo que tem de ser articulado: e o processo pelo qual se sedimenta, mas tambem varia ao longo do eixo do tempo - a nossa propria concepcao de, por um lado, o que seja o patrimonio e, por ai, se constitui uma heranca patrimonial que vai sempre sendo alterada pelo molde como vai sendo constantemente reinterpretada por cada geracao e, por outro lado, o modo como nos so podemos salvaguardar e fruir o patrimonio estudando-o. Isto e muito importante e tem consequencias praticas muito grandes, designadamente aquando das intervencoes em obras patrimoniais. E preciso, como o Professor Navascues teve a oportunidade de defender, ser intransigente na recusa da intervencao meramente operatica sobre o patrimonio, que o que quer e obra vistosa, com muito dinheiro, o mais depressa possivel. Isso e a pior maneira de defender o patrimonio, de intervir sobre o patrimonio, porque justamente nao da nem o tempo nem a distancia necessarios ao estudo minucioso, em filigrana, de o que constitui hoje o valor de uma obra patrimonial. A contribuicao da Historia de Arte para o estudo do patrimonio - e, portanto, para a intervencao sobre o patrimonio - evidencia-se tanto mais quanto nos permite, justamente, contextualizar as obras patrimoniais em referencia, mostrando que aquilo que sao essas obras nao e independente da forma como todos nos - as sucessivas geracoes e nos proprios agora - as percepcionamos. E muito importante notar que, sem esta perspectiva a que tecnicamente se deveria chamar - se me permitem o palavrao - fenomenologica, nao entendemos bem o que e o nosso patrimonio, isto e, sem o por justamente em relacao com o modo como o fomos apreciando, como o fomos percepcionando e como o fomos representando ao longo de sucessivas geracoes. As catedrais, como muitas outras obras patrimoniais, nao sao apenas as obras fisicas, as realidades fisicas, nao sao apenas as realidades historicas - portanto, situadas na espessura temporal que essas obras fisicas transportam consigo - e, em muito representacoes, e impossivel percebe-las sem cuidar de perceber o investimento simbolico que sociedades inteiras foram fazendo sobre elas. Porque as sociedades sao plurais, atravessadas por conflitualidades e autoridades cruzadas e decisivo, para percebermos bem o que e o patrimonio e intervirmos sobre ele, perceber que quilo que temos a nossa frente e incompreensivel se nao fizermos justamente o esforco fenomenologico de perceber as representacoes sociais que foram sendo investidas sobre aquilo que temos a nossa frente. Mas tambem - como tao bem a conferencia do Professor Navascues ilustrou -, essa representacao simbolica nao pode, por sua vez, ser dissociada das formas de ocupacao, das formas de uso, do modo como aqueles espacos com os seus lugares consoante os usos e as valorizacoes que deles vao sendo feitos. Esses espacos e esses usos dos espacos fazem-se por pessoas que assim comunicam umas com as outras, em logicas mais ou menos estatutarias, em relacoes que sao ao mesmo tempo de comunicacao e de poder. Portanto, nas catedrais, como nas outras obras patrimoniais o que temos hoje a nossa frente e tambem indissociavel das sucessivas encenacoes que nelas foram sendo feitas. Esta ideia do patrimonio tambem como representacao, representacao no duplo sentido: de representacao mental e de representacao teatral, e uma ideia que, julgo eu, e absolutamente matricial para quem quiser estudar e perceber o patrimonio. E isto que a Historia de Arte nos ajuda tao bem a perceber tem depois consequencias decisivas em todas as tres grandes funcoes, digamos assim, da intervencao patrimonial - seja ela a funcao de salvaguarda, seja ela a funcao de conservacao, seja ela a iuncao de valorizacao e disponibilizacao publica do bem patrimonial. Se percebermos bem estes contextos simbolicos e materiais que fazem a dinamica da constituicao de uma obra como obra patrimonial, julgo que estamos mais bem apetrechados para perceber como o podemos salvaguardar, como e que o podemos conservar, como e que podemos fruir o patrimonio. No que diz respeito a salvaguarda, mais bem percebemos, assim, a dialectica que constitui a salvaguarda patrimonial, a dialectica entre o necessario respeito por herancas e bens que, num certo e fundo sentido, nao nos pertencem e, por outro lado, a selectividade na defesa do patrimonio sem a qual estariamos, em materia patrimonial, na mesma ironia triste de que falava certa historia do Jorge Luis Borges a proposito dos mapas de escala 1. 1: nao ha salvaguarda patrimonial sem selectividade e essa selectividade tem de se cruzar com esta ideia de que, num certo sentido, o patrimonio nao nos pertence. Algo semelhante se passa no que diz respeito a funcao de conservacao. Precisamos de uma politica deliberada de conservacao organizada de forma nao conservacionista. Tambem ai e muito importante perceber que ao fim e ao cabo aquilo que consideramos hoje, nos principios do seculo XXI, como patrimonio, e indissociavel da forma como o seculo romantico constituiu o patrimonio, como antes dele o seculo das luzes tinha proposto uma nova concepcao e uma nova funcionalidade de um museu como conservacao institucional de um memoria triada e e independente da forma como o seculo xx investiu a cultura de massas e o turismo macico tambem em torno dos quadros patrimoniais e tornou os tesouros patrimoniais nao so uma riqueza do Estado - como tinha feito o seculo XVIII -, nao so uma riqueza da cultura nacional - como tinha feito o seculo xix -, mas tambem pura e simplesmente como uma area de negocio. Portanto, no que diz respeito a conservacao, tambem esta dialectica so faz sentido na medida em que percebemos que olhando para uma obra olhamos para multiplas realidades sociais cristalizadas, por assim dizer. Nessa obra fisica essa dialectica e tambem absolutamente necessaria em materia de funcao depois conservacao. Coisa analoga se diga no que respeita a funcao de divulgacao e disponibilizacao publicas, de forma que possamos perceber que os varios publicos, que fazem hoje a procura de patrimonio transportando em si proprios investimentos simbolicos e usos sociais diferenciadas, podem ser todos eles acolhidos nestas casas grandes que sao os bens patrimoniais, equilibrada e plasticamente valorizados. Para isto a Historia de Arte e essencial e, portanto, folgo muito que ao longo destes dias os temas da nova politica patrimonial tenham sido tratados pelos conferencistas. Mas isso implica tambem interpelar a Historia de Arte. E era a ligacao entre estas duas ligacoes que eu queria fazer, A Historia de Arte tem a sua historia, como todas as disciplinas. Tem uma historia que e muito interessante observar em perspectiva, agora que ja nao estamos no seculo do seu amadurecimento e da explosao no bom sentido da palavra e e muito interessante notar como essa historiografia, a historia da Historia de Arte, nos pode dar ensinamentos interessantes do ponto de vista dos utensilios de que necessitamos para estudar o patrimonio e intervir hoje sobre o patrimonio. E muito interessante notar que a grande disciplina historica se constituiu, ao longo do seculo XIX e na primeira metade do seculo XX, como se fosse uma nao-ciencia suportada por ciencias auxiliares, como se fosse uma grande narrativa politico-diplomatica ou de ideias, suportada por disciplinas auxiliares, como se a grande narrativa nao fosse cientifica podendo ser as disciplinas auxiliares. Estou a falar da numismatica, da epigrafia, da paleografia, estou a falar dos tempos anteriores a Segunda Guerra Mundial em que se dava esta curiosa coincidencia de a grande narrativa se considerar como nao cientifica ou pos-cientifica, suportada por pequenas disciplinas instrumentais que, essas sim, podiam ser consideradas como cientificas. Estou a falar de como esta forma de constituicao da Historia, de uma historia rainha de varias disciplinas, foi depois desafiada pelo grande movimento dos anos quarenta, cinquenta e sessenta, um movimento de reaproximacao da Historia ao grande universo das ciencias ditas humanas ou sociais - uma reaproximacao que, para o ser, teve que pontuar muito mais (talvez hoje aos nossos olhos exageradamente) o lado da estrutura, o lado da objectividade, o lado da duracao em desfavor do lado da conjuntura, do acontecimento, o lado tambem da analise fenomenologica. Esse grande movimento dos anos cinquenta e sessenta foi o movimento que tendeu a ser um movimento muito centripeto, trazendo para a grande trave mestra, da entao chamada historia economica e social, disciplinas que antes dele, digamos, estavam em circulos concentricos mais alargados. Aquilo a que assistimos nos anos setenta e oitenta - em Portugal, isso e muito evidente nos anos oitenta e noventa - e, digamos, o que um frances chamaria declatement, isto e, fragmentacao da Historia e das diferentes disciplinas - a devida transcricao em termos de cursos de formacao e associacoes profissionais, autonomizando-se a arqueologia, autonomizando-se a Historia de Arte, autonomizando-se ou tentando autonomizar-se outras areas. O risco que se joga nesse movimento de fragmentacao e naturalmente o de perder a possibilidade de considerar devidamente a natureza holistica dos processos historicos. Julgo que estamos a corrigir isso dos anos noventa para ca, atraves justamente de a tentativa de constituir areas pluridisciplinares em torno de tematicas. Aconteceu isso claramente com o patrimonio, com a constituicao de areas tematicas multidisciplinares trazidas da Historia, mas tambem do territorio, isto e, da geografia, mas tambem da arquitectura e tambem das disciplinas das ciencias fisicas, a das engenharias, que sao absolutamente necessarias para perceber e intervir sobre o patrimonio. Estamos justamente a procurar, julgo eu, encontrar novas possibilidades de perceber as totalidades que organizam os processos sociais atraves destes movimentos de aproximacao tematica de diferentes disciplinas. Pessoalmente, sou um fervoroso adepto deste processo, sob uma condicao: nao recusemos diluir as especificidades teorica e tecnica que constituem cada disciplina, porque o movimento pluridisciplinar e um movimento positivo quando parte e potencia essas especificidades e e, do meu ponto de vista, um movimento negativo quando procura diluir as especialidades com a ilusao de que poderia haver uma ciencia geral das coisas, qualquer que fosse o nome que essa ciencia geral tivesse. Em resumo, julgo que o proprio desafio que a Historia de Arte nos coloca quando trabalhamos em patrimonio e o desafio de dizer: atencao, pensem nas coisas que estao por detras e por fora e, por isso estao dentro dos bens patrimoniais. Esse desafio de contextualizacao, de por as coisas em escala e de por as coisas em perspectiva, e esse mesmo desafio que a Historia de Arte tambem deve aceitar, pondo-se a si propria em escala e pondo-se a si propria em perspectiva. Como veem, se me tivessem convidado a fazer uma comunicacao, eu nao diria que nao. Augusto Santos Silva Ministro da Cultura Tema A - 1900/2000 Balanco e Perspectivas da Historia da Arte em Portugal Tema B Portugal e o Mundo: Encontro com a Arte Tema C Para uma nova Politica do Patrimonio: Formacao, Conservacao e Mercado do Trabalho

Dados Técnicos
Peso: 2220g
ISBN: 9789724023915