Código Comercial e legislação Complementar de Moçambique, livro de Sílvia Alves | Luís Barbosa Rodrigues

Código Comercial e legislação Complementar de Moçambique

editora: ALMEDINA
Prefacio A actividade de troca tem sido desde sempre a principal alavanca do desenvolvimento economico dos povos. Na longa caminhada da humanidade desde o seu berco ancestral em Africa, antes ainda da invencao da agricultura ocorrida ha milenios e da qual derivariam as primeiras comunidades sedentarias, ja a transferencia de bens, ainda que esporadica e incipiente, estava presente, como o sugere a presenca de artefactos liticos em locais muito afastados daqueles em que necessariamente poderiam ter sido produzidos. Por essa altura, certamente ja as comunidades humanas valorizavam a ordem soc... [Leia mais]
Descrição
Prefacio A actividade de troca tem sido desde sempre a principal alavanca do desenvolvimento economico dos povos. Na longa caminhada da humanidade desde o seu berco ancestral em Africa, antes ainda da invencao da agricultura ocorrida ha milenios e da qual derivariam as primeiras comunidades sedentarias, ja a transferencia de bens, ainda que esporadica e incipiente, estava presente, como o sugere a presenca de artefactos liticos em locais muito afastados daqueles em que necessariamente poderiam ter sido produzidos. Por essa altura, certamente ja as comunidades humanas valorizavam a ordem social como condicao da propria sobrevivencia. De modo vago haviam-na prova¬velmente ja enquadrado atraves de regras juridicas de natureza consuetudinaria. Neste contexto, a actividade de troca, transformada cm actividade comercial quando passou a configurar-se como modo de vida ou actividade principal de alguns, afirmava-se como dominio relevante da vida social. Seguramente nao demoraria muito a firmar-se a conviccao de que o comercio encerrava especificidades revestidas de um certo grau de autonomia no conjunto das actividades humanas, as quais, por se centrarem em dominios comportamentais ao alcance da ordem juridica, logo deram lugar a consciencia de que tal actividade podia configurar um dominio especifico dessa ordem. Pode, pois, supor-se que a percepcao do Direito Comercial, mesmo nao sendo coeva do inicio da actividade mercantil, nao deve ter demorado muito tempo mais a emergir. Nao obstante, independentemente da sociedade que em concreto se tenha em vista, durante muito tempo a sua regulamentacao foi deixada quase exclusivamente ao costume. Em termos genericos o mesmo se passara com os restantes dominios juridicos, ja que o costume regra geral antecedeu a lei. Mas, no ambito comercial esta tendencia preservou-se mais no tempo, entrando claramente em momentos da evolucao das sociedades nos quais o dominio da lei era ja preponderante. Varios factores para isso contribuiram. A actividade comercial concretizava-se em comportamentos com forte especializacao nem sempre perfeitamente compreendidos ou ao alcance dos profanos. Muitas vezes pressupunha o dominio de tecnicas apenas conhecidas dos que delas tinham experiencia. Pressupunha algum grau de intuicao pessoal dificil de substituir pela simples vontade. Envolvia frequentemente riscos a varios niveis que a aproximavam por vezes de algum aventureirismo. Exigia tambem o abandono de formalismos excessivos incompativeis com a urgencia das decisoes. Tudo isto apontava para um universo limitado de agentes - os comerciantes -que, pela sua restritividade, podiam funcionar como grupo dentro da sociedade mais ampla, podendo por isso beneficiar de formas de auto-organizacao e controle conducentes, quer ao apoio interno quando tal se justificava, quer a uma fiscalizacao expedita dos actos reciprocos, embora nao menos segura porque passivel de ser exercida, e mesmo punida, atraves de meios facilmente ao alcance dos que nela directamente participavam. Face a isto respondia a sociedade, nao raro, com alguma admiracao e inveja, valorizando as suas aparentes vantagens e esquecendo as menos visiveis desvantagens, mas geralmente contentando-se em retirar os beneficios directos dela resul¬tantes. Ao universo sectorial de comportamentos especificos que a actividade exigia davam os comerciantes alguma ordem, auto-regulamentando-se de forma espontanea, mas sem menosprezar a adaptacao de regras vantajosas eventualmente existentes na sociedade exterior, e procurando na propria natureza humana conceitos atraves dos quais pudessem dar consistencia a esses comportamentos. Entre estes, a ideia universal de boa fe, conscientemente ou nao, rapidamente se transformaria num dos seus importantes esteios. Ate ao seculo XIX o Direito Comercial, mais do que qualquer outro dominio juridico, viveu dentro destes parametros. Direito de um grupo por excelencia, nao deve por isso estranhar-se que algumas antigas colectaneas de regras comerciais se configurem essencialmente como conjuntos de usos e costumes proprios da actividade, nelas ocupando posicao de relevo a regulamentacao do comercio maritimo e dos meios de transaccao financeira, e que, quando lentamente o listado foi entrando dentro deste dominio juridico, o tenha feito quase sempre na sua esteira. Tendencialmente internacionais, muitas dessas regras nao conheciam, na realidade, senao as fronteiras que os proprios comerei antes tracavam. E assim que ainda na segunda metade do seculo XVIII, um governante iluminado como o Marques de Pombal, sem o minimo rebuco, remetia subsidiariamente para as leis mercantis e maritimas das nacoes esclarecidas, sem que esse recurso a direito estrangeiro lhe parecesse questionar a soberania nacional. Na sequencia do liberalismo a lei estatal atingiu o paroxismo absolutista e o ambito comercial nao poderia deixar de lhe sentir os eleitos. Emerge a codificacao e neste contexto chegaria a vez de a lei se apropriar decisivamente do Direito Comercial. O Codigo de 1888, o segundo elaborado em Portugal nesta area juridica - ainda hoje traco de relacionamento entre o ordenamento mocambicano e o portugues - e disso exemplo. Mocambique, como outras nacoes que se afirmam no mundo moderno, necessita de um quadro jus-comercialistico em sintonia com uma actual idade que, sendo globalizante, nao pode prescindir das particularidades nacionais. Herdeira de um sistema juridico construido para uma realidade hoje muito diversa, orientou-se decisivamente para a sua reformulacao atraves de intensa producao legislativa. Urna a uma, as principais vertentes da actividade comercial foram sendo detalhadamente reformuladas em sintonia com a interpretacao politica dos interesses da sociedade. Sem duvida havera muito ainda a fazer. Mas, face ao breve tempo em que lhe foi possivel reformula-lo e aos resultados conseguidos, trata-se de uma tarefa notavel. Mas, como todo o trabalho de reequacionamento de uma realidade juridica previa, a reforma legislativa em curso ficou dispersa por multiplos diplomas elaborados ao longo de cerca de trinta anos. Tempo vira em que o trabalho sera o de concentrar num ou em poucos textos, Os regimes agora dispersos, tarefa que exigira nao menor disponibilidade e energia. Enquanto esse momento nao chega a presente colectanea cumpre a funcao intermedia, mas imprescindivel quando a producao juridica atinge niveis elevados, de coligir o manancial legislativo disperso c de o apresentar de forma sistematizada. Trata-se de uma etapa comparavel, mutatis mutandis, a preenchida pelas Ordenacoes que antecederam os codigos, a cujo resultado quase somente os agentes do direito conseguem dar o seu real valor, esquecendo embora algumas vezes, inebriados pela facilidade de acesso ao conjunto da legislacao, que a pesquisa subjacente nem sempre foi facil e consumiu muito mais esforco do que aquele que o resultado, na sua clareza, aparenta. Foram estes os objectivos dos responsaveis pela colectanea, a Mestra Silvia dos Anjos Alves c o Doutor Luis Barbosa Rodrigues, que. sendo actualmente docentes daquela Faculdade honraram tambem com o seu esforco a Faculdade de Direito de Lisboa a qual se encontram ligados. Pelo cuidado colocado na respectiva elaboracao, pela recolha criteriosa e cientificamente apresentada a colectanea atinge plenamente os objectivos. Merece por isso as nossas saudacoes. Cremos que com esta publicacao, Mocambique, a comunidade dos juristas e os cidadaos em geral, mocambicanos ou nao, ganharam um auxiliar a todos os titulos valioso. Professor Doutor J. Duarte Nogueira Professor Catedratico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Dados Técnicos
Peso: 1390g
ISBN: 9789724021034