18 crônicas e mais algumas, livro de Maria Rita Kehl

18 crônicas e mais algumas

editora: BOITEMPO
assunto:
A psicanalista Maria Rita Kehl retorna às livrarias com uma coletânea de crônicas: 18 artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo e outros 26 em veículos como Teoria e Debate, Folha de S.Paulo e Época, escritos ao longo da última década. Estão contemplados nesta obra textos célebres, como “Dois pesos...”, que expõe as fissuras de uma sociedade desacostumada com a participação dos mais pobres.

Maria Rita questiona o papel do psicanalista na imprensa: para ela, não se trata de explicar certos fenômenos e “comportamentos” que intrigam a sociedade (e ajudam a vender jornais),... [Leia mais]
Descrição
A psicanalista Maria Rita Kehl retorna às livrarias com uma coletânea de crônicas: 18 artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo e outros 26 em veículos como Teoria e Debate, Folha de S.Paulo e Época, escritos ao longo da última década. Estão contemplados nesta obra textos célebres, como “Dois pesos...”, que expõe as fissuras de uma sociedade desacostumada com a participação dos mais pobres.

Maria Rita questiona o papel do psicanalista na imprensa: para ela, não se trata de explicar certos fenômenos e “comportamentos” que intrigam a sociedade (e ajudam a vender jornais), mas sim de escutar o sintoma social. “O melhor que um psicanalista pode fazer, na imprensa, é quase idêntico ao melhor que pode fazer um jornalista por vocação: indagar o objeto de seu interesse, para além dos automatismos ideológicos e do conforto da teoria aplicada”, afirma na apresentação do novo livro, publicado pela Boitempo Editorial.

“O impacto inquietante que a notícia sobre o inconsciente provocou nas sociedades bem comportadas do início do século XX deu lugar, cem anos depois, à expectativa de que a psicanálise possa oferecer explicações confortadoras para o mal-estar na civilização. Mas a psicanálise não tem vocação apaziguadora. A grande potência do dispositivo analítico continua a ser a de desestabilizar – certezas, crenças, ilusões, defesas neuróticas, fortalezas narcísicas.”

O paralelo com a atividade jornalística vem de referências pessoais. Antes de trabalhar em clínica, Maria Rita escreveu para vários jornais de grande e pequena circulação e nunca abandonou de fato o meio. “A escrita jornalística me fez conhecer, mais do que os livros publicados ou os textos editados em revistas de psicanálise, a alegria incomparável de constituir uma voz que se faz reconhecer e escutar de imediato no espaço público.” É a pauta que se impõe ao seu pensamento na hora de escrever, não importa quão comprometedora seja. “O ego não escolhe nada. Quem escolhe é o desejo (inconsciente), ou o sintoma. No meu caso, ao se aproximar a data da escrita da coluna, um acontecimento daquela semana me escolhia.” Foi assim com o deslizamento do morro do Bumba, em Niterói, em abril de 2010, e com a discussão sobre o aborto e sobre a expressão dos votos dos brasileiros pobres, durante as eleições presidenciais do mesmo ano. “Os melhores textos, do ponto de vista do prazer da escrita, são esses que se impõem, que se escrevem no pensamento muito antes de se ter tempo de encarar o teclado. São as pautas necessárias – se não para o leitor, ao menos para o autor. Daí a carga de verdade que contêm. Verdade subjetiva daquele que escreve, que nem assim tem poder de preservar o escritor do erro.”

Além da psicanalista, da jornalista e cidadã, há muito mais de Maria Rita nas entrelinhas de suas crônicas, principalmente um olhar crítico e desembaraçado das convenções e uma forte identificação com o País e com o próprio percurso nele vivido – “Acontece que sou brasileira e tudo, aqui, me diz respeito” –, e também com a poesia das músicas, dos filmes e dos amigos que permanecem. O livro revela o caminho traçado e consolidado por uma mulher que fez dos sintomas sociais contemporâneos, ainda pouco compreendidos, infindáveis objetos de estudo.

Trechos do livro “Só agora, seis meses depois de ter perdido minha coluna quinzenal num grande jornal paulista, sob alegação de não ter ocupado o espaço de que dispunha para escrever como psicanalista, sinto-me capaz de formular com clareza isto que, desde sempre, foi para mim uma convicção. Todo texto autoral publicado na imprensa não especializada tem por vocação ser opinativo e analítico, no sentido amplo do termo. Penso que, ao ocupar esse lugar público, o psicanalista não deve se imbuir do papel daquele que explica o mal-estar. O psicanalista é o mais perplexo de todos os cidadãos, que, por deformação profissional ou pela estrutura psíquica que determinou sua escolha, não consegue deixar de ser afetado, atravessado, pelas formações do inconsciente da sociedade em que vive. Por isso a escrita do psicanalista é sempre clínica – mas não sua aplicação. O que distingue o lugar do psicanalista na imprensa não é o número de vezes em que ele se refere a Freud, a Lacan ou ao complexo de Édipo, não é a escolha de pautas relacionadas à vida íntima, aos problemas amorosos ou familiares. O que poderia distinguir o psicanalista que escreve em jornais, e que acima de tudo – que isto não seja esquecido – é também um cidadão, é o modo como sua experiência clínica pode ajudá-lo não a explicar, mas a escutar o sintoma social. É a abertura para as manifestações do inconsciente, e não a explicação teórica, que faz com que um texto seja psicanalítico – não ‘ao invés de’ jornalístico, e sim ‘além de’.”

Maria Rita Kehl na apresentação do livro 18 crônicas e mais algumas.

“As saudades do que eu queria ter feito e não fiz se constroem de trás pra frente. É depois, só depois, que você se dá conta de que prestou atenção ao que acontecia à sua direita e não percebeu algo muito mais interessante que se passava à esquerda. Ou vice-versa. Claro, existem também as escolhas. Nesse caso, penso que se eu quisesse mesmo, mesmo, fazer x em vez de y, teria feito. Essa coleção de vacilos escreve uma história. No horizonte virtual das possibilidades que foram deixadas pra trás deve haver um duplo meu, vivendo a vida que foi dos outros.”

Trecho da crônica “Antibiografia”.

“Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que, na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa [2009], filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer.”

Trecho da crônica “Dois Pesos...”.

Sobre a autora

Maria Rita Kehl é brasileira, nascida em Campinas (SP), mãe de Luan e Ana. Foi jornalista entre 1974 e 1981, tendo publicado artigos em diversos jornais e revistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Editou a seção de cultura nos jornais Movimento e Em Tempo, periódicos de oposição à ditadura militar. Doutora em psicanálise pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atua desde 1981 como psicanalista em clínica de adultos em São Paulo e, desde 2006, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Guararema (SP). É autora de O tempo e o cão (São Paulo, Boitempo, 2009), ganhador do prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Não Ficção em 2010; e Videologias (São Paulo, Boitempo, 2004 – em coautoria com Eugênio Bucci), entre outros.

Dados Técnicos
Peso: 310g
ISBN: 9788575591857