Reflexões do gato Murr, livro de E.T.A. Hoffmann

Reflexões do gato Murr

Tradução de Maria Aparecida Barbosa.

Se um gato-narrador já seria uma opção narrativa ousada na literatura de qualquer autor contemporâneo, que dizer da Alemanha do início do século XIX? Pois é essa a iconoclastia proposta por E.T.A. Hoffmann em Reflexões do gato Murr, obra de grande comicidade e irreverência, em que o bichano evocado no título, metido a erudito e cuja personalidade passa longe da modéstia, dedica-se a produzir a própria biografia com o intuito de legar à posteridade o registro de sua felina e brilhante passagem por esta existência.

Assim, o p... [Leia mais]
Descrição
Tradução de Maria Aparecida Barbosa.

Se um gato-narrador já seria uma opção narrativa ousada na literatura de qualquer autor contemporâneo, que dizer da Alemanha do início do século XIX? Pois é essa a iconoclastia proposta por E.T.A. Hoffmann em Reflexões do gato Murr, obra de grande comicidade e irreverência, em que o bichano evocado no título, metido a erudito e cuja personalidade passa longe da modéstia, dedica-se a produzir a própria biografia com o intuito de legar à posteridade o registro de sua felina e brilhante passagem por esta existência.

Assim, o petulante Murr, em meio a reflexões filosóficas e divagações mundanas, repassa ao leitor os momentos marcantes de sua vida, desde a primeira mão humana que o recolhe para pô-lo diante de uma generosa tigela de leite, até as danações de sua vida adulta, que incluem, por exemplo, a peculiar amizade com o poodle Ponto; o amor malfadado pela beldade bichana Miesmies; e o truculento acerto de contas “a dentadas” com o gatuno pintalgado que a roubou dele. Murr também critica seus pares “filisteus”, aqueles desprovidos de qualquer erudição – o que não deixa de ser uma ironia de Hoffmann sobre os hábitos burgueses que ele condenava.

A originalidade de Reflexões do gato Murr, no entanto, não se resume à narrativa feita pelo gato-autor: como nos adverte o editor da obra, um acidente de edição teria impresso, no mesmo livro, o manuscrito de Murr e o diário do amo do bichano, o compositor Johannes Kreisler, que originalmente o gato utilizou como suporte de suas memórias. A abordagem bem-humorada cede, então, à tensão da trama paralela. Kreisler é o protótipo do artista genial romântico, que luta para tentar manter a integridade de sua arte, sem concessões, o que para qualquer artista parece significar uma utopia.

Mestre de capela na corte de uma decadente família real, ele é a testemunha ocular das intrigas e conspirações que permeiam as relações entre nobres e subalternos. A profusão de situações e personagens bizarros – magos charlatões, o affair de Kreisler com a princesa Júlia, um príncipe com síndrome de Peter Pan, religiosos patéticos – não encerra uma trama fechada, servindo muito mais como uma crítica de valores do autor em relação ao sistema político monarcal, que fenecia na Alemanha. As pontas da trama em aberto, que poderiam indicar um eventual interesse de Hoffmann por uma continuação, talvez se expliquem, também, pelo fato de o autor ter morrido antes de ter conseguido efetivamente finalizar o romance. No entanto, elas não comprometem o resultado, pelo contrário: dão à obra uma aura “moderna”, e acabam por instigar o leitor a, ele mesmo, completar as peças desse instigante quebra-cabeça.

A mistura improvável de gêneros e a originalidade na forma fazem de Reflexões do gato Murr um livro de inventividade ímpar e frescor cômico atemporal, assinado por um dos mais clássicos autores da história literária alemã.

Sobre o autor

Nome influente da literatura europeia do início do século XIX, e conhecido pelas incursões na ficção fantástica que já o fizeram ser comparado de Cervantes a García Márquez, Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental (atual Kaliningrad, na Rússia), em 1776. Desenvolve carreira como jurista, atuando em tribunais de apelação em Berlim e em Varsóvia. Retorna à capital alemã após o avanço napoleônico sobre a Polônia. Mas desde cedo demonstra inclinação para as artes, como pintura, teatro e, sobretudo, música clássica (era admirador de Mozart, de quem adotou o nome Amadeus em substituição a Wilhelm). Seu interesse pela música era tal que se tornou um estudioso, tendo desdobrado suas atividades como compositor e crítico, e até mimetizando a forma narrativa de suas obras com notas musicais. É o personagem-tema da ópera Os contos de Hoffmann (1881), de Jacques Offenbach, baseada em três historietas de Hoffmann. Outros dos principais trabalhos do autor incluem Os elixires do diabo (1816), Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos (1816), Contos dos irmãos Serapion (1819) e Princesa Brambilla (1820). E.T.A. Hoffmann falece em Berlim em 1822.

Dados Técnicos
Páginas: 440
Peso: 500g
ISBN: 9788574482255