Crítica da Razão Cínica, livro de Peter Sloterdijk

Crítica da Razão Cínica

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Tradução de Marco Casanova

Em 1983, Peter Sloterdijk vira estrela da filosofia contemporânea com um calhamaço insolente. Partindo de uma reflexão sobre o Crítica da razão pura de Kant por ocasião dos 200 anos de sua publicação, Sloterdijk destrincha e recompõe o legado da filosofia ocidental de cunho racionalista e progressista, rompendo com criatividade os moldes clássicos de argumentação de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de Foucault.

Crítica da razão cínica alcançou sucesso imediato de vendas: seu conteúdo arrasa-quarteirão e seu tom irreverente implodiram os câno... [Leia mais]
Descrição
Tradução de Marco Casanova

Em 1983, Peter Sloterdijk vira estrela da filosofia contemporânea com um calhamaço insolente. Partindo de uma reflexão sobre o Crítica da razão pura de Kant por ocasião dos 200 anos de sua publicação, Sloterdijk destrincha e recompõe o legado da filosofia ocidental de cunho racionalista e progressista, rompendo com criatividade os moldes clássicos de argumentação de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de Foucault.

Crítica da razão cínica alcançou sucesso imediato de vendas: seu conteúdo arrasa-quarteirão e seu tom irreverente implodiram os cânones da filosofia bem-pensante. Com 150 mil exemplares vendidos na época do lançamento, tornou-se o livro de filosofia mais vendido desde a Segunda Guerra na Alemanha e projetou Sloterdijk como autor cult.

Frequentemente provocador e sempre perspicaz, o filósofo alemão desconstrói as raízes do Esclarecimento, que, ao solapar os idealismos vigentes, plantou os alicerces do niilismo moderno e um cinismo generalizado. Na esteira, Sloterdijk contrapõe o bem-humorado kynismos grego, por vezes mal-educado, ao cinismo moderno, superado em qualidade pela sabedoria irreverente dos antigos — a começar pela pregação do grego Diógenes, peça importante no tabuleiro da presete “crítica”.

Na Primeira Parte da obra, “Cinco considerações prévias”, Sloterdijk expõe os conceitos de cinismo e kynismos, analisa o legado do Esclarecimento na acepção de Kant e o avento do cinismo na modernidade, revê Nietzsche, se despede de Adorno e da Teoria Crítica e retoma com Heidegger. Na Segunda Parte, mais extensa, discute o cinismo “aplicado”, estruturando a crítica do cinismo em quatro “partes principais” — fisionômica, fenomenológica, lógica e histórica —, e nos contempla com digressões (“Excursos”) avassaladoras. Sloterdijk se serve de exemplos na rica cultura dos anos 1920, como dadaísmo, expressionismo, a paradigmática República de Weimar e até mesmo a cultura proletária da negação burguesa, para questionar o racionalismo reinante que levou aos excessos ideológicos que marcaram o século XX.

A respeito do cinismo, Sloterdijk comenta em entrevista a Elisabeth Lévy, na revista Le Point: “Nunca fui um verdadeiro cínico. Não tenho os meios. Efetivamente, um cínico coerente exige qualidades físicas e morais que não tenho. O último verdadeiro grande cínico de nossa época foi Cioran, que levava uma vida monástica informal. Mas ser o monge de um desespero privado custa caro, pois você é confrontado todos os dias a refutações de sua escolha, à prova que a felicidade não está tão distante, tão transcendente. O cinismo é a decisão de não se dissolver na felicidade.”

Os tradutores

Marco Casanova é professor de filosofia na UERJ e autor de Nada a caminho: niilismo, impessoalidade e técnica na obra de Martin Heidegger (2006), entre outros. Participaram ainda da tradução Paulo Soethe, Pedro Costa Rego, Mauricio Mendonça Cardozo e Ricardo Hiendlmayer, do departamento de filosofia da UFPR.

Trechos

“Há um século a filosofia está morrendo. No entanto, ela não consegue morrer porque sua tarefa não foi cumprida. Assim, sua despedida precisa se delongar de maneira aflitiva. Onde não pereceu em meio a uma mera administração do pensamento, ela se arrasta por aí em uma agonia cintilante, na qual lhe vem à cabeça aquilo que esqueceu de dizer durante sua vida. Em face do fim, ela queria se tornar sincera e revelar seu último segredo. E confessa: os grandes temas não passaram de subterfúgios e meias-verdades. Estes belos passeios vãos — Deus, universo, teoria, práxis, sujeito, objeto, corpo, espírito, sentido, nada — não significam nada. São substantivos para os jovens, para os outsiders, para clérigos e sociólogos.” [p. 11]

“Quem seria capaz de dar a Kant uma visão panorâmica da história a partir de 1795, ano no qual o filósofo tinha publicado o seu escrito À paz perpétua? Quem teria nervos para informá-lo sobre o estado do Esclarecimento — a saída do homem da ‘menoridade por sua própria culpa’? Quem seria suficientemente frívolo para lhe explicar as teses marxistas de Feuerbach? Imagino que o bom humor de Kant nos ajudaria a sair da paralisia. Mal ou bem, ele era um homem do século XVIII, um século no qual mesmo os racionalistas não eram tão rígidos quanto os que o são hoje se fazem passar por descontraídos.” [p. 16]

“Se parece de início que o Esclarecimento desembocaria na desilusão cínica, então a página é logo virada e a investigação do cinismo se transforma na fundamentação de uma boa ausência de ilusões. O Esclarecimento sempre significou de saída desilusão no sentido positivo, e, quanto mais progride, tanto mais próximo se acha um instante no qual a razão nos conclama a tentar uma afirmação. Uma filosofia a partir do espírito do sim também inclui o sim ao não. Não se trata nesse caso de nenhum positivismo cínico, de nenhuma atitude ‘afirmativa’. O sim, que tenho em vista, não é o sim de um vencido. Se se esconde nele algo da obediência, então seria da única obediência que podemos supor em relação a homens esclarecidos, a obediência a uma experiência própria.” [p. 25]

“Nenhum pensamento pertence de modo tão íntimo ao seu tempo quanto o do ser-para-a-morte: é a palavra-chave filosófica na época das guerras mundiais imperialistas e fascistas. A teoria de Heidegger se situa a meio-caminho, na virada da Primeira para a Segunda Guerra Mundial, da primeira para a segunda modernização da morte em massa. Ela se situa a meio-caminho entre a primeira tripla constelação da indústria da destruição: Flandres, Tannenberg, Verdun, e a segunda: Stalingrado, Auschwitz, Hiroshima. Sem indústria de morte, nada de indústria do entretenimento.” [p. 279]

“Foi Thomas Mann que percebeu como nenhum outro o desafio ao humor que era apresentado pelas risadas cínicas. Já no início da República de Weimar, ele tentou penetrar no novo espírito do tempo depois do fim da era burguesa, oferecendo um conceito relativo ao que significava, afinal, viver em um mundo moderno e ‘acompanhar o tempo’ sem se perder completamente em meio à adaptação à ‘novidade ruim’. Nos ares das alturas de A montanha mágica, Thomas Mann levou a termo a sua confrontação com o espírito do tempo weimariano neocínico, não notado por muitos leitores, que acreditavam que essas conversas nas alturas de Davos não seriam outra coisa senão sagacidades derradeiras da burguesia cultural sem qualquer vínculo social.” [p. 691]

“A filosofia está hoje envolta por todos os lados por empirismos perfidamente astutos e por disciplinas realistas marcadas pela pretensão de saber melhor das coisas. Se essas disciplinas realmente soubessem o que é melhor, então talvez não se perdesse tanto com o declínio da filosofia. Como, porém, as disciplinas científicas atuais e as doutrinas relativas à astúcia se encontram todas sem exceção sob a suspeita de oferecerem um saber acerca do que torna tudo pior ao invés de um saber sobre o que torna tudo melhor, nosso interesse retorna para aquilo que não se legitimou até aqui da filosofia por meio de nenhuma suspensão. Em um mundo cheio de injustiça, exploração, guerra, ressentimento, isolamento e sofrimento cego, a ‘suspensão’ da filosofia por meio das estratégias astutas de tal vida promove adicionalmente o surgimento de uma falta dolorosa de filosofia [...]” [p. 697-698]

Sobre o autor

Nascido em Karlsruhe em 1947, Peter Sloterdijk estudou filosofia, germanística e história em Munique e Hamburgo. É considerado um dos mais importantes renovadores do pensamento filosófico da atualidade pelo menos desde a publicação de Kritik der zynischen Vernunft [Crítica da razão cínica], que alcançou sucesso imediato, tornando-se o mais vendido livro de filosofia na Alemanha no último meio século. Notabilizou-se por defender o retorno a um maior rigor filosófico e, em bom iconoclasta, posiciona-se contra os nivelamentos por baixo reinantes na academia e na vida pública.

Além das obras editadas no Brasil — A árvore mágica. O surgimento da psicanálise no ano de 1785, tentativa épica com relação à filosofia da psicologia (Casa Maria Editorial, 1988), Mobilização copernicana e desarmamento ptolomaico (Tempo Brasileiro, 1992), No mesmo barco. Ensaio sobre a hiperpolítica (Estação Liberdade, 1999), Regras para o parque humano. Uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. (Estação Liberdade, 2000) —, publicou ainda, de uma extensa lista: Der Denker auf der Bühne – Nietzsches Materialismus [O pensador no palco – O materialismo de Nietzsche], 1986; Weltfremdheit [Desassossego do mundo], 1993; Der starke Grund, zusammen zu sein. Erinnerungen an die Erfindung des Volkes [O grande motivo de estarmos juntos: anotações sobre a descoberta do povo], 1998; Luftbeben: An den Quellen des Terrors, [Aeromotos: Nas fontes do terror], 2002.

Tem-se dedicando nos últimos anos a sua monumental trilogia Sphären [Esferas], onde aborda a relação umbilical do homem com seu meio ambiente, e cujo primeiro volume foi publicado na Alemanha em 1998. Paralelamente, vem estabelecendo uma nova correlação entre os pensamentos a priori quase antagônicos de Nietzsche e Heidegger.

Leciona na Universidade de Viena e na Escola Superior de Artes Aplicadas de Karlsruhe, cuja reitoria assumiu em 1999. Dirige também o programa Quarteto filosófico na cadeia de televisão estatal alemã ZDF.

Dados Técnicos
Peso: 1040g
ISBN: 9788574482095