Homens de negócio, de fé e de poder político: a Ordem Terceira de São Francisco do Recife, 1695-1711, livro de Maria Eduarda Marques

Homens de negócio, de fé e de poder político: a Ordem Terceira de São Francisco do Recife, 1695-1711

editora: MASSANGANA
A religiosidade católica consagra o fim da folia do carnaval à expiação dos pecados e à salvação da alma. O catolicismo reformado pelo Concílio de Trento assimilou a festividade de origem pagã, que servia para celebrar grandes colheitas. Na Roma antiga homens e mulheres saíam às ruas dançando em exaltação a saturno, deus da agricultura. As escolas eram fechadas e os escravos eram soltos. Entretanto, no calendário cristão, a festividade pagã, que promovia a inversão social, é seguida pelas restrições impostas pela quaresma, período de penitência, de renúncia à vida mundana e de perfeição eva... [Leia mais]
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Descrição
A religiosidade católica consagra o fim da folia do carnaval à expiação dos pecados e à salvação da alma. O catolicismo reformado pelo Concílio de Trento assimilou a festividade de origem pagã, que servia para celebrar grandes colheitas. Na Roma antiga homens e mulheres saíam às ruas dançando em exaltação a saturno, deus da agricultura. As escolas eram fechadas e os escravos eram soltos. Entretanto, no calendário cristão, a festividade pagã, que promovia a inversão social, é seguida pelas restrições impostas pela quaresma, período de penitência, de renúncia à vida mundana e de perfeição evangélica. No medievo, a Ordem fundada por Francisco de Assis liderou as celebrações e a organização dos ritos penitentes da quaresma. Ao tempo do Brasil colônia as procissões das cinzas se transformaram em verdadeiros teatros sacros. Além de divulgarem a cultura hagiológica franciscana, ensejavam também a dramatização da ordem social vigente. Em Pernambuco, ao fim da primeira década do século XVIII, os irmãos terceiros franciscanos do Recife estavam preparados para organizar o rito público penitente com grande distinção e grandeza. Entretanto, os recifenses foram sucessivamente impedidos de organizar a sua procissão, em razão do embargo imposto pela Ordem terceira franciscana de Olinda, que gozava da prerrogativa de ter sido a primeira entidade a organizar o préstito em todo continente americano. O impedimento, no entanto, era também de natureza política. A querela sobre a saída da procissão das cinzas da Ordem franciscana do Recife esteve no epicentro das disputas políticas ocorridas entre a cidade de Olinda, cabeça da capitania, e o Recife, próspera “praça dos mercadores” e de ricos financistas de origem portuguesa e de devoção católica. Depois de terem construído a Capela Dourada com a opulência decorativa do barroco joanino, a realização da procissão das cinzas, no primeiro dia da quaresma, de forma independente da Ordem olindense, era a derradeira conquista simbólica a ser alcançada pelos terceiros do Recife, grupo de leigos devotos composto pelos mais abastados “ homens de negócio” da capitania. A irmandade do Recife não tinha permissão para movimentar a procissão na quarta feira de cinzas. Vencidas as demandas judiciais nos tribunais de Lisboa, foi apenas em 1720, depois da chamada “guerra dos mascates”, quando o Recife fora enlevado à condição de vila independente de Olinda (1711), que os franciscanos terceiros lograram organizar o seu rito público penitente, no dia litúrgico, com zelo e magnificência. Conforme as narrativas coevas, o cortejo foi uma manifestação rica e grandiosa, na qual os ensinamentos e alegorias penitentes, tais como caveiras e cilícios, misturavam-se às imagens dos santos franciscanos e a tecidos adamascados, crucifixos, tocheiros e alfaias em prata e ouro. Com mais de dezessete andores, oito lanternas e inúmeras imagens e varas de pálio, a procissão dos terceiros seráficos ocupou as ruas do bairro de Santo Antônio. Com o passar dos anos, o desfile das cinzas do Recife tornou-se ainda mais caudaloso, incorporando crianças e elementos da cultura popular. Abrindo o cortejo apresentava-se uma espécie de farricoco, armado de um chicote de couro torcido, que afugentava os devotos em marcha. Eram os papangus. Mascarados embrulhados em lençóis, soprando uma corneta e tocando um relho. Os moleques lhe atiravam caroços de pitomba, em grande algazarra. Por mais de um século, o papangu desfilou abrindo a prestigiosa procissão das cinzas do Recife. A figura alegórica, que evocava o perseguidor romano de Jesus, acabou por promover a sátira e a desordem, em contraste com o rito penitente do desfile, sendo proibido no início do século XIX pelas posturas da Câmara Municipal do Recife. A procissão das cinzas dos franciscanos terceiros do Recife, que estivera no centro das disputas pela autonomia política do povoado, deixou de circular em 1864. Mais do que um espetáculo público de devoção católica, a memória do préstito reafirma, na origem, uma identidade de luta e de irreverência, qualidades inerentes ao espírito libertário do povo do Recife.

Dados Técnicos
Páginas: 300
Peso: 575g
ISBN: 9788570196392