Alicerces da Pátria - História da Escola Primária no Estado de São Paulo (1890-1976), livro de Rosa Fátima de Souza

Alicerces da Pátria - História da Escola Primária no Estado de São Paulo (1890-1976)

Esse livro problematiza as permanências e as mudanças que marcaram a história republicana do ensino primário no estado de São Paulo entre 1890 e 1976. Abarcando uma perspectiva temporal de longa duração, a autora interpreta os sentidos das transformações da cultura escolar elegendo como eixos de análise as finalidades sociais, políticas e culturais atribuídas à escola, os conteúdos e métodos de ensino e as práticas simbólicas. Desse modo, o livro chama a atenção para uma das características mais duradouras e constitutivas da escolarização da infância: o seu intrínseco vínculo com a construç... [Leia mais]
Descrição
Esse livro problematiza as permanências e as mudanças que marcaram a história republicana do ensino primário no estado de São Paulo entre 1890 e 1976. Abarcando uma perspectiva temporal de longa duração, a autora interpreta os sentidos das transformações da cultura escolar elegendo como eixos de análise as finalidades sociais, políticas e culturais atribuídas à escola, os conteúdos e métodos de ensino e as práticas simbólicas. Desse modo, o livro chama a atenção para uma das características mais duradouras e constitutivas da escolarização da infância: o seu intrínseco vínculo com a construção da nação. O estudo dialoga com a historiografia consolidada e recente da educação e explora um diversificado e vasto conjunto de fontes oferecendo assim, uma interpretação inovadora sobre a produção da escola moderna no Brasil no início do século XX. Nesse sentido, ele também empreende uma releitura sobre a inovação do ensino pela escola ativa colocando em destaque as prescrições e as vicissitudes da Escola Nova no ensino público em meados do século e formula hipóteses explicativas sobre as mudanças na cultura escolar e nas representações sobre a escola fundamental em curso desde a década de 1960. Portanto, é dessa maneira que este livro busca atingir suas finalidades: a de contribuir para a compreensão da educação brasileira e a de colaborar com a preservação da memória da escola pública paulista.

Temas Abordados

ALICERCES DA CULTURA ESCOLAR
Vera Teresa Valdemarin

POR UMA HISTÓRIA DA ESCOLA PRIMÁRIA: NOTAS INTRODUTÓRIAS

PARTE 1: A MODERNA ESCOLA PRIMÁRIA PAULISTA

A ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA
As escolas primárias paulistas no século XIX
Os métodos de ensino
As escolas de primeiras letras
A moderna escola primária paulista
Os percalços do sistema modelar

A SELEÇÃO CULTURAL
Um programa para a construção da nação
O programa da escola primária moderna
Instaurando a cultura da seleção
As lições da escola primária

A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO
A disseminação da escola primária moderna
A expansão da escola primária urbana
Uma escola de baixo custo
O problema das escolas rurais

PARTE 2: SOPROS DE RENOVAÇÃO

A ESCOLA ATIVA
A escola nova e a pedagogia moderna
À sombra das reformas educacionais
A renovação didática
A construção científica dos programas

A SOCIALIZAÇÃO DA ESCOLA
A ampliação da ação educativa
A ação social e a assistência

OS ALTARES DA PÁTRIA
Magnífica escola de moral e civismo
A nacionalização do ensino
A glorificação da memória
Educando corpos, conformando almas
Honra ao mérito

PARTE 3: A LONGA TRANSIÇÃO

CONSTRUINDO A ESCOLA BÁSICA
Um novo conceito de escola primária
O primado da escola básica

DOS TEMPLOS DE CIVILIZAÇÃO À ESCOLA BÁSICA: NOTAS FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes
Referências

Sobre a autora Rosa Fátima de Souza é professora do Departamento de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia, obteve o mestrado em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o doutorado em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e a livre-docência pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Realizou estágio de doutorado na Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha), pós-doutorado na University of Wisconsin (Estados Unidos) e estágio no exterior na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). É autora de várias publicações, entre elas: Templos de Civilização – a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo [1890-1910] (Editora da Unesp), O direito à educação (Editora da Unicamp) e História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX (ensino primário e secundário no Brasil) pela Editora Cortez. É coordenadora do Núcleo de Documentação e Memória do Centro Cultural Professor Waldemar Saffioti (Unesp, campus de Araraquara) e co-responsável pela coordenação do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Instituições Educacionais (GEPCIE). É pesquisadora do CNPq e desenvolve pesquisas nas áreas de história da educação, história do currículo e cultura material escolar.

Alicerces da cultura escolar: nota introdutória

A epígrafe desse livro, tomada de Anne-Marie Chartier, aponta os propósitos que nortearam a investigação realizada – “É possível se interessar por aquilo que muda sobre o fundo de estabilidade ou por aquilo que se repete imperturbavelmente, a despeito do novo” – e indica a intenção de reunir perspectivas às quais, em geral, se concede prioridade alternada. Anuncia também uma das constatações a que se chega ao final da leitura: a estabilidade foi uma força decisiva na construção da importância social da escola primária, hoje absorvida no ensino fundamental.

Alicerces da pátria: história da escola primária no estado de São Paulo (1890-1976) é indissociável do livro anterior da autora – Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890-1910) –, e juntos evidenciam as inquietações que mobilizaram as investigações e resultaram no aprofundamento da temática. De um ao outro, a construção da escola primária foi examinada e avançou de seus elementos mais expostos para os mais ocultos (dos templos para os alicerces), das representações para as realizações, do entendimento para a compreensão. O estudo sobre a implantação desse nível de instrução descreveu o processo de construção da concepção de escola primária, as dificuldades e os embates enfrentados, os esforços mobilizados e sua consolidação por meio de iniciativas modelares. Sem descurar dos aspectos organizacionais, curriculares e internos à instituição, evidenciou-se, principalmente, a estratégia para tornar a escola primária uma aspiração política e social. Tratou-se de entender os processos, as idéias e as ações que atribuíram o significado simbólico para as instituições criadas no período de referência.

Embora sem explicitar, o presente trabalho encontra sua força compreensiva justamente na dúvida sobre a estratégia baseada nas iniciativas modelares e em tudo aquilo que elas implicam em termos de alterações, mudanças, transformações e manutenção. É ancorada nas diferentes possibilidades de efetivação dos mesmos propósitos com que a autora reconstrói a disseminação da escola primária paulista, trabalhando com ampliações temporais e documentais.

Estruturada na longa duração, imprescindível para detectar mudanças e permanências, a análise acompanha os quase cem anos de duração da escola primária paulista (de sua vinculação aos propósitos republicanos até a lei 5.672/71, que instituiu o ensino fundamental). Evita as generalizações que rondam esse tipo de abordagem mobilizando um amplo espectro de fontes documentais, utilizadas como base de dados e, principalmente, como demonstração das inúmeras iniciativas para a efetivação do projeto de difusão escolar. O sentido adquirido pela escola primária graduada durante o século XX foi estabelecido pelos ideais e possibilidades, pelo modelo e pelas variações.

A análise longitudinal da escola primária está estruturada na multiplicidade de enfoques próprios do campo educacional. Os diferentes inquéritos produzidos são tratados como avaliação e indicadores de possibilidades que se fortalecem no debate de idéias e posições travado na imprensa periódica e na bibliografia produzida no período; a legislação educacional é analisada como perspectiva hegemônica que fixa consensos e irradia os objetivos. A meticulosa pesquisa realizada em diferentes arquivos traz regulamentos, normas, programas e prescrições que, atuando sobre procedimentos didáticos mais específicos, evidenciam os propósitos pretendidos. A dinâmica do processo é completada com a análise dos relatórios produzidos por professores, inspetores escolares e delegados de ensino que documentam o entendimento e as apropriações possíveis dos objetivos, o controle das realizações e a produção de uma versão praticada da legislação. É a articulação das prescrições legais, dos debates e dos relatos das práticas que possibilita compreensão do processo.

Do mesmo modo, é a descontinuidade das séries documentais que revela as mudanças mais significativas: o relatório elaborado pelos professores, no início do século XX, é interrompido pelo relatório dos inspetores, que dá lugar ao relatório dos delegados de ensino, atestando o crescimento da racionalidade administrativa na organização do sistema. Por sua vez, outros indícios como as provas individuais, sucedidas pela rotinização dos exames anuais, os dados estatísticos e os registros fotográficos de diferentes práticas (trabalhos de agricultura, escotismo, ginástica e festas cívicas) atestam a ampliação da ação educativa da escola ocorrida nesse período.

Este livro rapidamente se tornará obra de referência para os inúmeros trabalhos que se desenvolvem nas diferentes regiões brasileiras que têm os grupos escolares como objeto de estudo, pois, ao descrever seu desenvolvimento no estado de São Paulo, detalha os elementos determinantes na configuração da escola primária em geral e sugere operações analíticas para a coleta de fontes.

Demarcando o espaço, o tempo e o currículo como elementos definidores da ordenação da escola primária graduada, estão consideradas a falta de instalações físicas reivindicadas desde o período imperial, a construção dos palacetes que o regime republicano paulista transformou em símbolos de seu investimento educacional, e as acomodações mais simples que “denotavam uma expansão rápida, sem planejamento e sem um programa de edificações condizentes” por meio do qual foi disseminada a instrução popular no século XX.

As diferentes conformações curriculares para a consecução dos objetivos que abrangiam a aprendizagem de leitura e escrita da língua materna, cálculo elementar, noção de sistemas de pesos e medidas, instrução moral e homogeneização cultural, foram acompanhadas por meio dos programas e das justificativas para sua permanência, com reduções ou ampliações. Nesse quadro de surpreendente estabilidade de objetivos e finalidades, traduzido em programas, emerge a inquietação sobre a renovação pedagógica que, na historiografia da educação brasileira, aponta os anos de 1930 como marco transformador.

Indagando se as novas concepções sobre a escola ativa contribuíram para modificar significativamente a educação primária, a autora acompanha as dificuldades para tornar as práticas educativas mais próximas do discurso renovador, e afirma que “os métodos de ensino de cada uma das matérias constituíram o terreno sobre o qual frutificaram inovações, disputas e saberes constitutivos do campo profissional do magistério. Foram também o terreno onde vários professores, inspetores e diretores de escola reputaram prestígio e reconhecimento profissional.”

Dada a impossibilidade de estender o número de grupos escolares – modelos organizacionais erigidos como símbolo do desenvolvimento paulista –, a legislação tratou de abarcar na mesma nomenclatura a variação das escolas existentes. Assim, o volumoso registro iconográfico comprova tanto as realizações do projeto idealizado quanto o distanciamento dele: os palacetes escolares urbanos e as escolas de madeira, em descampados, com crianças descalças mesmo no dia da foto, certamente preparada e planejada. A construção do meio termo entre as concepções da escola ativa e suas realizações é identificada na ampliação dos meios educativos disponíveis como o incentivo ao canto coral e orfeônico, escotismo, associações, caixas escolares, serviços de saúde e odontologia. Essa conciliação é penosamente constatada no longo processo de substituição da transcrição de pontos pelo questionário simplificado na avaliação da aprendizagem realizada pelos exames finais. É também esperançosamente afirmada na democratização da instrução que por meio dela se realizou.

A análise empreendida está inserida numa ordem de interesses própria da produção acadêmica brasileira. Ancorado na diversidade de fontes, na longa duração e na variedade de elementos educacionais entrelaçados, esse estudo conflui para a temática específica da cultura escolar, atestando sua potencialidade para compor uma visão da história da educação. A cultura escolar tem se configurado como campo interpretativo com base em pesquisas pontuais, de pequenos cortes temporais ou de um número limitado de fontes específicas com o objetivo de realçar elementos ou aspectos particulares que acabam por se ressentir de um quadro mais amplo que lhes confira significação. A originalidade desse trabalho apresenta-se no acompanhamento das transformações educacionais que se solidificaram no tempo e formaram uma tradição educacional. Há, portanto, um movimento de síntese dos dados e, simultaneamente, a possibilidade de um amplo programa de pesquisas a ser desenvolvido com a reunião de outros pesquisadores por meio de uma metodologia que se configura ao final da análise.

Inúmeros autores já afirmaram a importância das indagações do presente nas operações historiográficas. Assim, pode-se dizer que o pano de fundo da pesquisa aqui apresentada são os embates educacionais atuais, particularmente aqueles que dizem respeito ao objetivo de democratizar a educação incluindo todas as crianças e, ao mesmo tempo, garantir educação de qualidade para todos. O trabalho coloca sob suspeita a crença no poder das reformas legais e alerta para a força presente nas práticas cotidianas tradicionalmente enraizadas e seu poder modelador das mudanças do presente. Entre as inúmeras reflexões e desdobramentos suscitados, pode ser destacada sua contribuição para pensar os processos de mudança e permanência educacionais, ambos constitutivos dos processos culturais. O trabalho evidencia diferentes formas de pensar a escola e o cumprimento de suas finalidades educacionais, ao trazer à luz a documentação produzida pelos atores com participação significativa no processo. Acompanha as posições que tiveram força para conquistar a hegemonia e assumir a forma de prescrições e normatizações; acompanha também as posições minoritárias, em geral, explicitadas no arrolamento das dificuldades enfrentadas, que aparecerem, a princípio, como desvios da regra, mas se revelam forças práticas capazes de determinar sentidos.

Nesse jogo de forças e de concepções em disputa, não se deve descuidar ou menosprezar o poder das idéias e seu funcionamento como parâmetros, idéias às quais nunca se chega completamente, mas que fornecem um horizonte desejável. Se nas margens do pensamento oficial as práticas resistem para modular as inovações, o movimento também é perceptível na seletividade que as inovações impõem às práticas, produzindo tensão permanente na cultura escolar, em movimentos não sincrônicos mas indissociáveis. (Vera Teresa Valdemarin, Unesp/Araraquara)

Dados Técnicos
Peso: 750g
ISBN: 9788575911198