Artes Plásticas

Traços de uma inteligência precisa

22 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Em 2011, o Instituto Moreira Salles e a Pinacoteca do Estado de São Paulo apresentam a exposição Saul Steinberg – As aventuras da linha, com cerca de 110 desenhos do consagrado artista gráfico, pertencentes ao acervo da Saul Steinberg Foundation. A mostra teve curadoria da historiadora Roberta Saraiva e apresentou obras produzidas por Steinberg entre os anos 1940 e 1950. O catálogo, publicado pelo Instituto Moreira Salles, encontra-se praticamente indisponível.

A curadora conta que em “18 de setembro de 1952, o jovem Museu de Arte de São Paulo, então dirigido por Pietro Maria Bardi, inaugurava uma exposição dedicada à obra de Saul Steinberg (1914-1999)”. Segundo Saraiva, era “uma iniciativa ousada, pois o desenhista romeno-americano ainda não era um nome consagrado por grandes museus e galerias, a despeito de seu sucesso popular nas páginas da revista The New Yorker. De lá para cá, tudo isso mudou: Steinberg firmou-se, ainda em vida, como um dos nomes mais influentes do desenho do século XX, festejado por todos – leitores, espectadores e críticos, editoras, galerias e museus. Felizmente, a unanimidade não diminuiu em nada a surpresa, o frescor e a ironia que continuam vivos em cada uma das obras”.

Saul Steinberg ficou conhecido por seus característicos desenhos que, usando muitas vezes uma única linha, questionam a rotina, o mundo e a vida contemporâneos. A organização da exposição procurou revelar algo da lógica do trabalho do artista, mostrando como sua criação esgotava os temas sobre os quais debruçava-se, característica que, no catálogo impresso, pode bem ser notada. Também foram contemplados os desenhos murais que o artista criou para a Trienal da Milão, de 1954. São quatro desenhos em rolos de papel: “A linha”, com 10 metros de comprimento, “Tipos de arquitetura”, com 7 metros, “Litorais do Mediterrâneo”, com 5 metros, e “Cidades da Itália”, com 3 metros – todos possuem cerca de 45 cm de altura.

Integram o catálogo, além das imagens das obras expostas, desenhos de inspiração brasileira: “Pernambuco”, uma mistura de personagens, bichos e motivos locais e “Grande Hotel de Belém”. A curadora Roberta Saraiva e o ilustrador Daniel Bueno rastrearam um diário de viagem de Steinberg no Brasil, tendo como base esses desenhos, assim como cartões-postais, bilhetes de viagem e outros itens pertencentes ao acervo da biblioteca Beinecke, da Universidade de Yale.

O catálogo traz ainda um texto do crítico de arte Rodrigo Naves; uma entrevista de Steinberg cedida a Grace Glueck; um perfil do artista por Adam Gopnik, publicado na revista The New Yorker logo após a sua morte, em 1999; e um texto de 1952 do então professor da FAU-USP, Flavio Motta, publicado no jornal Diário de São Paulo, por ocasião da primeira mostra de Steinberg no Brasil.

Segundo Daniel Bueno, ilustrador e autor de mestrado sobre o artista na FAU – USP, o desenho de Steinberg pode ser “uma caricatura, mas não é uma deformação das formas. É uma caricatura no sentido de enaltecer uma característica e de chegar numa verdade que às vezes é até mais evidente do que simplesmente olhar para a realidade. E ele busca isso usando a metalinguagem, brincando com os estilos, fazendo paródia de estilo”.

Além do catálogo da mostra, o Instituto Moreira Salles publicou, concomitante à exposição, Reflexos e sombras, livro de memórias de Saul Steinberg gerado a partir de longas conversas entre o desenhista e o escritor e amigo italiano Aldo Buzzi, que depois as transcreveu e editou.

Segundo Sérgio Augusto, em artigo escrito ao jornal O Estado de São Paulo: “Como outros romenos fora de série (Tzara, Brancusi, Ionesco, Eliade, Cioran), Steinberg viveu e se impôs culturalmente no exílio. Romênia? “Puro dada”, respondia, invocando Tzara, inventor do dadaísmo, abstendo-se de entrar em detalhes. Queria ser escritor, mas desistiu por causa da língua: “Ninguém lê romeno”. Os outros foram para Paris, viver e escrever em francês; ele preferiu a Itália. Do pai impressor, encadernador e fabricante de caixas de papelão em Bucareste herdou o fascínio por papel, rabiscos, marcas e carimbos. Encaminhado para a engenharia, diplomou-se numa universidade milanesa, mas nem chegou a exercer a profissão. Em Milão, onde viveu oito anos, descobriu sua real vocação, bolando cartuns para a revista humorística Bertoldo, e sentiu na pele a repressão, relembrada em minúcias e com humor no livro Reflexos e Sombras, que Samuel Titan Jr. traduziu para o Instituto Moreira Salles”. Como aponta Sérgio Augusto, “[…] em boa parte brincando, respeitosamente, com esses emblemas da cultura americana que Steinberg desenvolveu sua singular sintaxe visual. “A América parece ter sido inventada para ele”, disse o grande crítico de arte Harold Rosenberg, o primeiro e mais poderoso padrinho de Steinberg na costa leste – e também o primeiro a defini-lo como um “escritor de imagens, um arquiteto da fala e do som, um desenhista de reflexões filosóficas”. Aforista do traço e reificador cômico do alfabeto, da palavra e da gramática, que de uma simples linha tanto podia extrair uma corda de roupa como um horizonte, uma ponte ferroviária ou uma mesa, seu grafismo lacônico, alternadamente figurativo e abstrato, irônico e satírico, grotesco e cubista, meio Grosz, meio Klee, meio Miró, arrebatou todos os grandes artistas plásticos do seu tempo e uma legião de críticos, historiadores e intelectuais do porte de E. H. Gombrich (para quem Steinberg conhecia melhor do que ninguém a filosofia da representação), John Hollander, Italo Calvino, Michel Butor, John Updike e Arthur C. Danto. Referência e mestre de André François, Tom Ungerer, Millôr, Jaguar e toda a geração do Pasquim, Steinberg influenciou até artistas de outras searas, como o escritor francês Georges Perec, que teve o estalo de A Vida – Modo de Usar ao ver um desenho (Art of Living) do cartunista, mostrando simultaneamente tudo o que sucede no interior de um prédio de apartamentos”. 

O acervo da obra de Saul Steinberg pode ser conferido no site da Saul Steinberg Foundation.

 

 

SAUL STEINBERG – AS AVENTURAS DA LINHA

Autor: Roberta Saraiva
Editora: Instituo Moreira Salles
Preço: R$ 95,00 (315 págs.)

 

 

 

 

 

 

REFLEXOS E SOMBRAS

Autor: Saul Steinberg
Editora: Instituo Moreira Salles
Preço: R$ 45,00 (184 págs.)

 

 

 

 

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