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Palavras de carne e com asas

8 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Brueghel, “Paisagem com a queda de Ícaro”

Os poemas de Ana Luisa Amaral reunidos sob o título Vozes versam, também, sobre os silêncios. Em sua lírica, estes são opostos cuja recíproca implicação une-os na própria plenitude daquilo que de mais verdadeiramente paradoxal há nesta união: sua poesia alcança o que há de mais íntimo na natureza humana em sua existência como ser em um mundo concreto e real.

Fala com Ícaro, mas pressente o chão quando, na verdade, dialoga com Brueghel; seu poema teria pregas servindo como vestido ao corpo da prosódia; “escrevia / de beijos que não tinha / e cebolas em quase perfeição”; encontra o avesso das palavras.

Uma das maiores poetas contemporâneas de Portugal, Ana Luísa Amaral já recebeu alguns prêmios importantes, dentro e fora do seu país, como o Prêmio de Poesia António Gedeão, recebido em 2011 pelo livro VozesContinue lendo

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Um grão de sal aberto na boca do bom leitor

16 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Retrato de Herberto Helder, por Frederico Penteado

O poeta português Herberto Hélder (nascido em Funchal, em 23 de Novembro de 1930) é considerado um dos mais inventivos autores da poesia contemporânea. Figura em volta da qual paira uma atmosfera mística, concedeu sua última entrevista em 1968 e desde então vive em auto-reclusão em Lisboa, com a mulher, Olga. Em 1994, recebeu o Prêmio Pessoa, que recusou, como recusa todos os prêmios que recebe – “Seria vil aceitar, por causa do dinheiro”, disse. Neste ano, seu nome foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura.

Neste mês de junho, ele lançou, pela Editora Porto, de Portugal, seu mais recente livro, A morte sem mestre. É notável a longeva produtividade do autor, cujo livro anterior, Servidões, havia sido lançado apenas um ano antes. Sua poesia, tal qual sua personalidade, é enigmática. Uma constante transgressão regula a pontuação e submete os padrões à desorganização e a um fluxo verbal que encanta e abala e cria uma linguagem única. Ao abrir A morte sem mestre, o leitor encontra a advertência do poeta: “Tudo quanto neste livro possa parecer acidental é de facto intencional”; ao que acrescenta: “Peço por isso que um qualquer erro de ortografia ou sentido/seja um grão de sal aberto na boca do bom leitor impuro”.

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Poética do real

18 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A portuguesa Adília Lopes é uma das poetas de maior destaque hoje em seu país. Já foi traduzida para diversos idiomas e, no Brasil, as editoras 7 Letras e Cosacnaify, em coedição, publicaram a Antologia, seleção de poemas organizada pelo poeta Carlito Azevedo, que contém poemas desde seus primeiros livros, O poeta de Pondichéry, de 1986, e O decote da dama de espadas, de 1988, até trabalhos mais recentes, como Florbela Espanca espanca, de 1999, e O regresso de Chamilly, publicado em 2000. A edição brasileira conta também com posfácio de Flora Süssekind.

A poesia de Adília é pontuada por um humor irônico, através do qual seus versos encontram situações corriqueiras e cotidianas. Ela diz, sobre sua poesia: “Há sempre uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade naquilo que escrevo”.

Eucanaã Ferraz, na bela resenha ao livro Antologia – texto intitulado “De monstros e monstruosidades” –, analisa: “O universo absolutamente trivial dos versos guarda qualquer coisa de artificial, de antinatural: há sempre uma ordem estabelecida – moral, estética, comportamental – que soa “estranha”. Disposições e arranjos sociais mostram-se em precário equilíbrio, e quando se desagregam substancialmente logo tudo se reorganiza e restaura, pouco importando a que preço. […] A banalidade e o absurdo equivalem-se numa espécie de esvaziamento entre o cínico e o sádico […]. O grotesco, na poesia de Adília Lopes, recusa o fantástico: o real é a grade perversa que os poemas nos impõem, da qual não nos libertamos nem na forma nem no conteúdo”.

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