Arquivo da tag: poesia brasileira

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Remixes visuais

30 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

augusto de campos_outro

O poeta Augusto de Campos acaba de lançar um novo livro, Outro.

“Eu mordo o que posso”, diz o poeta. O livro traz, segundo sua introdução, “novos poemas, intraduções e outraduções (remixes visuais). Achei curioso e ao mesmo tempo estranho o uso dessa palavra em discos americanos e custei a me dar conta de que se tratava de um termo musical, uma palavra-valise que sai do ‘in’ para o ‘out’, revertendo o sentido de INTRO. E que indica a diferente performance de uma faixa anterior ou algum outro ‘bonus’ – um ‘extro’. Outro outro. Outradução, extradução? Seja o que for, gostei da palavra ambígua.”

Há, ao fim do livro, indicações de clip-poemas, que podem ser vistos na internet.

Tendo passado doze anos sem publicar seus poemas em livro, Augusto de Campos declarou:

“E é com este OUTRO, que pode ser também o último bônus de meu trabalho  poético, que ouso ex-pôr estes novos poemas. Sobrevivente, para o bem ou para o mal, não posso deixar de completar o que comecei, o quanto me for possível”.  Continue lendo

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A alma do corpo

26 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Wesley Duke Lee

Wesley Duke Lee

Corpo, de Carlos Drummond de Andrade, foi lançado originalmente em 1984. Estava esgotado e acaba de ganhar nova edição, agora pela Companhia das Letras, com posfácio da crítica e escritora Maria Esther Maciel. Trata-se de um dos mais esplêndidos livros da última fase do poeta; publicado aos 82 anos do poeta, três anos antes de seu falecimento, revela um olhar poético preciso, profundo e inesgotável.

Os poemas tematizam o amor, a morte, a relação entre pessoas e das pessoas com o meio ambiente. O corpo a que refere-se o título, diz respeito não só ao corpo humano físico, mas ao corpo das cidades, corpo geográfico e urbano, histórico: degradado, devastado, violentado. Em seus versos, Drummond denuncia, ainda que resguarde seu olhar generoso em relação à vida.

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Etnopoesia

18 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
BISILLIAT_21

fotografia de Maureen Bisilliat

O fim de tarde de uma alma com fome é um poema épico de Sérgio Medeiros. O poeta buscou inspiração no teatro nô e em lendas indígenas. O poema desenvolve três variações sobre um mesmo tema, três versões básicas de uma mesma cena: um mito oral, sem origem definida e em constante transformação. Seu resultado é contextualmente interessante e liricamente profundo e rico.

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Esqueça a palavra

27 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
evandro carlos jardim

Evandro Carlos Jardim, gravura em metal

Adriana Lisboa é reconhecida por seu trabalho literário em prosa, pelo qual já venceu prêmios como o Prêmio José Saramago, por Sinfonia em branco.

Parte da paisagem, sua mais recente publicação, porém, apresenta um outro lado, menos conhecido, de seu trabalho: sua produção poética. Trata-se de uma compilação de cinqüenta poemas, notáveis sobretudo pela musicalidade. Por entre temas variados, sua poética perpassa referências cinematográficas, esmiúça a vida por trás das letras – bem como seu caráter indicial de morte –, atravessa minúcias do cotidiano.

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O poeta em que o verbo fez-se carne

18 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
Para que os canaviais possam dar mais doçura à alma Humana?

Lasar Segall

Acaba de ser republicado o livro Poemas negros de Jorge de Lima, em edição que recupera a primeira, publicada em 1947, com ilustrações de Lasar Segall e prefácio de Gilberto Freyre. São poemas marcados por uma envolvente musicalidade e apelo aos sentidos. Localizados entre o engenho e o navio negreiro, formam uma história poética do negro no Brasil, da influência do escravo na cultura brasileira, também da crueldade do tratamento servil a que foram submetidos. Jorge de Lima ultrapassa o folclórico pitoresco e recria a paisagem nordestina, canta as lavadeiras na lida, descreve o ar “duro, gordo, oleoso” da madorna, o chamado da “Negra Fulô” pela sinhá, para a abanar, pelo sinhô, para a açoitar.

Segundo Vagner Camilo, professor de Letras Clássicas e Vernáculas na USP, responsável pelo texto acrescido como posfácio à edição, conforme diz no artigo “Jorge de Lima no contexto da poesia negra americana”, os poemas falam “dos seres que povoam seu universo afro-poético em termos de personagens (e situações) típicas, equiparáveis ao universo pictórico de Segall (não só os óleos sobre tela, mas também os grafites sobre papel), embora no caso de Poemas negros várias delas oscilem entre o tipo e a individualidade, incluindo-se aquelas que são evocadas pela memória da infância do poeta, como Celidônia, Zefa Lavadeira, Maria Diamba e Benedito Calunga”. Continue lendo

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Certa palavra dorme da sombra

31 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

No dia 31 de outubro, em 1902, nascia em Itabira Carlos Drummond de Andrade. O Instituto Moreira Salles rende-lhe, nesta data, uma homenagem – veja a programação do “Dia D – que a Livraria 30porcento aqui acompanha.

Recentemente reeditado pela Companhia das Letras, o Discurso de primavera e algumas sombras foi publicado pela primeira vez em 1977. São poemas originalmente publicados na coluna que Drummond mantinha no Jornal do Brasil. É notável, neles, seu caráter público e portanto conscientemente político; muitos dos poemas tratam de episódios que pontuam um tempo conturbado, de maneira geral no mundo e, especificamente no Brasil, retratam o desalento com o regime ditatorial militar que fechava todos os espaços destinados à liberdade, coletiva e individual.

Entre os temas recorrentes nos poemas, encontra-se também, forte, preocupado, niilista, o despertar da consciência ecológica. Em tempos que realizaram a Conferência de Estocolmo, primeira grande discussão mundial sobre as mazelas planetárias do desenvolvimento industrial, Drummond foi um dos primeiros autores a posicionar-se de maneira crítica à degradação ambiental. Poemas como “Águas e mágoas do Rio São Francisco”, que abre o volume, “Num planeta enfermo” ou “Antibucólica 1972” mostram sua verdadeira indignação com a devastação da natureza. Outra vertente política da poesia drummondiana.  Continue lendo

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Crítica Literária

Eucanaã Ferraz, “Sentimental”

2 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone
Paul Klee

Paul Klee

Estranha matéria, que sobe do fundo

à flor da memória camada de espuma

diário de bordo vem quebrar aqui

(…)

  – trecho de “Talvez hoje”

 

 

 

 

O verso, nas línguas, dizem tantos filósofos, antecede a prosa. Por ser mais imediato, por ser mais sentimental. A linguagem poética permanece existindo como verso e então não deixa de se estender por uma prosa, porém, invisível: suas palavras, suas imagens, ecoam-se entre si e interiorizam discursos inteiros sem nem precisar proferi-los. As imagens poéticas encerram um círculo hermenêutico de compreensão da parte pelo todo e do todo pela parte. O último livro de Eucanaã Ferraz particulariza em si essa coesão e Sentimental é um desdobramento semântico da própria palavra que lhe dá título, vai de um sarcasmo melancólico, sensorial, a uma leveza quase etérea, corredeira de figuras mágicas.

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Jogue fora os atalhos

12 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Nyjah Huston, por De’Von Stubblefield

O novo livro de poesia do gaúcho Paulo Scott, Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo, acaba de ser lançado pela Companhia das Letras.

Scott é considerado um dos mais originais poetas brasileiros atuais. Sua poesia é quase prosaica no que tem de fluência ao apresentar histórias e episódios – sobre amores perdidos ou recém chegados, sobre as derrocadas da vida, a violência nas relações humanas, a busca pelo sublime no cotidiano de um escritor brasileiro. A força narrativa de seus poemas permite que sejam lidos quase como se fossem pequenos contos.

Nas palavras de Paulo Henriques Britto: “Neste livro, Paulo Scott deixa bem claro ter plena consciência do que se exige de sua geração, surgida num momento em que, pela primeira vez, após bem mais de meio século, cada poeta tem de construir sua linguagem a partir de um legado diversificado e acachapante, sem as rotas de percurso alternativas que balizaram, para o bem e para o mal, aqueles que os antecederam”.

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Onomatotêmico

5 junho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poema Totem, de André Vallias, é considerado por muitos o “(contra-)hino” de nossos tempos: foi escrito a partir de 222 nomes de povos indígenas. Compostas numa tipologia criada pelo autor, as 26 estrofes do poema tem como imagem de fundo o Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú.

O poema foi concebido por André Vallias para ser reproduzido em 13 metros de comprimento, no chão do centro cultural Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro. O poeta criou uma tipologia especial para apresentá-lo, além de um totem multimídia e uma vitrine com informações sobre todas as etnias citadas.

Agora, acaba de ser publicado em forma de livro-álbum, com as folhas soltas, pela editora Cultura e Barbárie. O álbum contém o poema em 40 impressões coloridas (cera térmica), com caixa feita em serigrafia. Contém ainda uma interessante introdução trilíngue (português, inglês e guarani-kaiowá) de Eduardo Viveiros de Castro, além de mapa e gráficos com dados dos povos indígenas no Brasil. O conjunto é um grito de guerra.

Outro trabalho de Vallias na mesma direção temática, o poema “Mas que país obtuso”

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Linguagem densa

19 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

HISTÓRIA INVISÍVEL

Era o vento entrando

pela casa, abrindo seus recessos

em varandas, instando pelo

espaço sem limites, até

se defrontar com o espelho

e logo se deter, cristalizado.

 

Adivinhação da leveza, de Duda Machado, é composto por 69 poemas que trazem alguns olhares sobre a linguagem e sobre o mundo, poemas em que cotidiano, memória e reflexão estética se entrelaçam com graça e ironia. O poeta baiano quebrou com este livro (publicado em 2011) um jejum editorial de quatorze anos após a publcação de Margem de uma onda – que sucedera em sete anos o livro Crescente, coletânea de sua poesia completa até então. A poeta e tradutora Simone Homem de Mello, em resenha do livro escrita para a revista Zunái, comenta: “Ao contrário dos lacônicos esporádicos, Duda é um lacônico intenso, de modo que os quatorze anos aparentemente transcorridos em silêncio estão presentificados, tangíveis, condensados em menos de 80 páginas”. Para Duda Machado, como diz um de seus poemas, ‘o passado volta ou sequer/se foi, enquanto se transforma;/o passado/ainda está para ser;/entretanto,/subsiste/a leveza de lidar/com o que te vais tornando’.

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Homem usando borboletas

7 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O poeta

Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

 

Manoel de Barros é o poeta que conferiu à poesia a delicada possibilidade de ser entendida como “a mais verdadeira maneira séria de não dizer nada”. Entre versos simples e carregados de sentido, é notável seu lírico talento para imagens, acompanhado por uma concretude quase surreal, como se pode perceber em trabalhos como Gramática Expositiva do Chão (1966). Continue lendo

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ilha mínima do eu

5 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Desenho de Odilon Redon

Monodrama é considerado o livro mais político, ao passo que também o mais irreverente e emocionado, de Carlito Azevedo, um dos principais poetas brasileiros da atualidade.

O livro é composto por poemas extensos, nos quais, dentre uma multiplicidade de personagens, surge com predominância a figura do imigrante, do clandestino, do outro a quem o mundo hostil fecha as portas. Há um profundo desencanto político nos poemas iniciais, que ramifica-se no solo autobiográfico da série “H.”, texto que elabora liricamente a experiência da doença e morte da mãe, com toda a ironia e a emoção de quem se depara com um “Pálido céu abissal”.

Eduardo Sterzi, que considera o livro uma “das obras literárias especialmente relevantes dos últimos anos”, analisa Continue lendo

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Poeta polifônico

30 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Por que a poesia tem que se confinar

às paredes de dentro da vulva do poema?

por que proibir à poesia

estourar os limites do grelo

da greta

da gruta

e se espraiar além da grade

do sol nascido quadrado?

[…]

[trecho de “Exterior”]

 

A antologia Poesia total reúne pela primeira vez a obra poética completa de Waly Salomão, desde Me segura qu’eu vou dar um troço, passando por Gigolô de bibelôs, Algaravias, LábiaTarifa de embarque, até a publicação póstuma Pescados vivos. O volume traz ainda uma seção de canções inéditas em livro, além de apêndice com alguns dos mais relevantes textos críticos sobre sua obra, escritos por Antonio Cícero, Francisco Alvim e Davi Arrigucci Jr, entre outros.

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De volta à terra

17 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro onde o céu descasca, de Lu Menezes, é tido como um dos livros mais bonitos publicados nos últimos anos no Brasil. Sua poesia desenvolve-se sobre cenários imperfeitos, transitórios, imensuráveis. Os assuntos que lhe servem como meio entroncam-se entre a solidão e o medo, a crença e a descrença, através de janelas a esmo, sotaques e paisagens distantes, palmeiras ao vento. Desvendando e decifrando enigmas naquilo que parecia evidente, seus versos exigem uma sensibilidade necessária para ultrapassar a compreensão.

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Nas pálpebras do tempo

10 abril, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Muitos poetas chegam a escrever grandes poemas, poucos compõem uma grande obra”, Alcides Villaça disse sobre Ferreira Gullar. Sobre si, Villaça observa que não compõe livros; simplesmente escreve poemas, de forma assistemática, e os reúne em livros. Foi assim com este Ondas curtas, coletânea de 71 poemas inéditos escritos ao longo dos últimos anos. Alcides Villaça é o professor especialista em literatura brasileira na Universidade de São Paulo. Como crítico, já realizou trabalhos importantes de análise sobre as obras de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar (poeta que analisou em seu doutorado, defendido em 1984, sob o título “A poesia de Ferreira Gullar”) e Manuel Bandeira.

Ondas curtas, lançado no final de março pela Cosacnaify, é o seu quarto livro de poesia. Continue lendo

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