Arquivo da tag: Dau Bastos

Literatura

Desdobramentos entre o real e a fantasia

29 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Quinten Massys

 “A partir de certo momento trocaram aclive por declive e se fixaram na construção da pior imagem possível do próprio ser que as produz”.

 

Mar Negro, novo romance de Dau Bastos, conta a história de Anderline, uma alagoana cujo principal atributo é a extrema feiura, qualidade contornada por uma inteligência sagaz. Ela foge para o Leste Europeu, passa pela Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Turquia: experiencia lados ruins como prisioneira da realidade, ao mesmo tempo em que busca sua identidade enquanto assumida personagem de uma ficção. Em cada parada de sua viagem, esparge uma afrodisíaca fragrância e acaba por conquistar alguns homens e, ao chegar a Istambul, consegue a proeza de transformar a sufocante burca em suporte para enfim tecer uma relação duradoura. A crítica à ditadura da beleza ressoa na prosa de Dau Bastos, encaminhando uma reflexão sobre o real e a fantasia. Um livro criativo e ousado, que desafia o estabelecimento de fronteiras da existência – “bom era o tempo em que a poesia e a prosa se uniam à religião na aposta na capacidade humana de ascender da inconstância terrena à estabilidade fundamental”.

Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Fictício; imaginário

23 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O que é o ficcional? Qual o jogo de oscilação entre imitação e simbolização numa obra literária? Qual a interação entre o fictício e o imaginário? Wolfgang Iser desenvolve a complexa questão da ficcionalidade e suas implicações antropológicas, localizando-a na imbricação entre a teoria literária – através da análise das literaturas clássica e renascentista inglesas, principalmente – e a teoria do conhecimento – pelo diálogo com a filosofia moderna e pela identificação da tematização da ficção no discurso filosófico, num panorama histórico que vai de Bacon a Vaihinger, passando por Sartre e Castoriadis. Sua investigação tem, como aplicação, um dos pontos culminantes na análise da literatura fantástica, “que converte a fantasia em realidade e a realidade em um território conquistado da fantasia”, representando portanto um nó da questão da mobilização do imaginário, no ato de leitura, uma vez que a fantasia reorganiza e inverte o real. Segundo Iser, “se há uma ‘lógica do imaginativo’, ela existe sobretudo como a suspensão de uma consciência focalizante, cujos vestígios só podem ser encontrados nas formas bizarras da fantasia que a inundam”. Sua interessante argumentação, nesse sentido, baseia-se na análise do monólogo de Beckett, Imagination Dead Imagine: “[…] no ato imaginativo inscreve-se sua autossuspensão, pois ele deve se apresentar como o ser extinto daquilo que é. O componente da consciência, portanto, não indica mais do que a mera direção e reduz-se em seus efeitos, pois se trata de imaginar a autossuspensão de um ato imaginativo”.

Continue lendo

Send to Kindle