Literatura

Sátira e censura

29 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Mikhail Bulgákov (1891-1940) foi um dos maiores autores russos do século XX e um dos intelectuais que sofreram dura perseguição da censura vigente no país durante o regime de Stalin. Em meio ao domínio, exigido pelo governo, de uma literatura realista-socialista, Bulgákov misturava o fantástico à sátira, bruxas e diabos a burocratas e espiões. Mais conhecido por seu romance O Mestre e Margarida, o autor deixou a medicina pela literatura. Graças à sua verve satírica, suas narrativas e peças de teatro tornaram-se rapidamente populares e, o autor, implacavelmente censurado.

O diabo solto em Moscou é um estudo biográfico de fôlego sobre Bulgákov, feito pelo estudioso da literatura russa e tradutor Homero Freitas de Andrade – professor no Departamento de Línguas Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O livro conta também com uma ótima antologia de contos e novelas, escritos entre 1919 a 1929, reunidos pela primeira vez em português, traduzidos por Andrade diretamente do russo. O volume traz ainda excertos de cartas e memórias, ilustrativos quanto aos embates culturais do período posterior à Revolução de 1917, como a reprodução de documentos só recentemente revelados – por exemplo um dos interrogatórios a que Bulgákov foi submetido pela polícia secreta de Stálin –, além de um índice analítico das personalidades da cultura russa que são citadas ao longo do texto.

Rubens Figueiredo conta que “Bulgákov era um sem-partido – ou seja, optou por não se filiar ao Partido Comunista – e suas obras inspiravam hostilidade. […] Proibido de publicar e com suas peças banidas dos teatros, o escritor se viu privado dos meios de vida. Em desespero, chegou a enviar uma carta a Stalin. Certo dia, o telefone tocou e o próprio ditador lhe disse: “Nós o aborrecemos tanto assim? Precisamos nos encontrar para uma conversa”. Em vista da crescente brutalidade do regime, o tom paternal do líder havia de soar bastante ameaçador”. Da mencionada carta, há um trecho em que Bulgákov pergunta, Sou admissível na união soviética?: “Após todas as minhas obras terem sido proibidas, começaram a ecoar vozes entre muitos cidadãos dos quais sou conhecido como escritor, que me dão sempre o mesmo conselho: Escrever uma ‘peça comunista’ e, além disso, dirigir ao Governo da União Soviética uma carta de arrependimento, contendo a negação de opiniões precedentes manifestadas por mim em obras literárias, e assegurando que doravante hei de trabalhar como um escritor fiel à idéia do comunismo. Não dei ouvidos a esse conselho. É pouco provável que lograsse aparecer num aspecto favorável tendo escrito uma carta mentirosa. Nem mesmo ia tentar escrever uma peça comunista, sabendo naturalmente que não conseguiria. TODO E QUALQUER SATÍRICO NA UNIÃO SOVIÉTICA ATENTA CONTRA O REGIME COMUNISTA. Será que sou admissível na União Soviética?”.

Irineu Franco Perpétuo, em artigo escrito à Folha de São Paulo, resume: “Ele foi médico, monarquista, viciado em morfina, casado três vezes, jogava bilhar com Maiakóvski e recebia telefonemas de Stálin: figura emblemática da literatura soviética de sua época, Mikhail Bulgákov (1891-1940) tem alguns de seus escritos publicados pela primeira vez em português”. No mesmo artigo, o tradutor diz: “Mesmo em russo, ainda não se publicou tudo que Bulgákov escreveu. Seus “Diários” ainda não foram publicados na íntegra, o mesmo acontece com sua correspondência”. Segundo Andrade, Bulgákov foi o “profeta do apocalipse soviético”: “Nas novelas satíricas “Os Ovos Fatais” e “Um Coração de Cachorro”, escritas em meados da década de 20, o darwinista Bulgákov mostrava, por meio de alegorias contundentes, que a experiência soviética iria dar com os burros n’água, porque não se respeitavam as leis básicas do desenvolvimento e da evolução humana. Esse epíteto traduzia também um sentimento do povo russo na década de 90, ao tomar contato com a obra do escritor”.

Homero de Freitas Andrade também traduziu Um Coração de Cachorro e Outras Novelas, em livro também publicado pela Edusp, no qual há um ensaio de sua autoria em que analisa aspectos da prosa satírica do escritor e apresenta uma visão geral do gênero nos primeiros anos da literatura russo-soviética, em especial a contribuição de Bulgákov e de Maiakóvski para a renovação do gênero.

Há uma pré-visualização de O diabo solto em Moscou disponibilizada no site da Edusp.

 

Os manuscritos não ardem em chamas” – Bulgákov, O Mestre e a margarida.

 

 

 

O DIABO SOLTO EM MOSCOU

Autor: Mikhail A. Bulgákov, Homero Freitas de Andrade
Editora: Edusp
Preço: R$ 51,80 (584 págs.)

 

 

 

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