matraca

Jogos de erosão emocional e memória

9 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Um artista plástico que escreve literatura tem à mão a possibilidade de intercalar ambos os trabalhos. No livro Lívia e o cemitério africano, Alberto Martins criou uma composição de capítulos curtos que tanto se completam quanto se contrapõem bruscamente, criando, na passagem e no confronto entre eles, novas possibilidades de leitura e, entre eles, inseriu dezesseis páginas de xilogravuras, em momentos cruciais da narrativa, que desempenham a mesma função ambivalente. O livro foi lançado no final de junho; nele, retoma a prosa autobiográfica de A história dos ossos, seu primeiro romance, também publicado pela editora 34 e vencedor do segundo lugar no prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira de 2006.

As xilogravuras de Alberto Martins são fortes, densas, expressivas. Não recebem uma classificação formal precisa, estão entre o abstrato e certo figurativismo. Nelas, há peso e movimentos, distribuídos de maneira autônoma, desterritorializada, por vezes ancorados a demorarem-se, outras, a passarem, em travessias breves ou longas. Deslocada essa interpretação à sua obra como um todo, inclusive porque Alberto é um artista entre a poesia e as artes plásticas, pode-se dizer que a mobilidade é denominador comum entre as artes às quais dedica-se. A própria matriz para a gravura seria semelhante a uma escritura e a literatura, para ele, é um meio de transporte: “Ela nos move, em vários sentidos, nos leva a distintos lugares e condições da realidade”, conforme disse em entrevista ao Jornal de crítica, em 2007. O caminhar, ou perambular, une o interior do sujeito lírico ao espaço coletivo. E a arte de Alberto Martins capta esse processo dinâmico e a carga afetiva que pode ser vinculada a um lugar ou a uma paisagem.

Em Lívia e o cemitério africano, a movimentação das histórias reverberam nos passeios das personagens, uma metalinguagem da própria dificuldade de estabelecer verdades internas. O livro tem uma prosa concisa como em um poema e desenvolve-se por entre questões familiares – um passeio no final de semana, dificuldades de entender o que incomoda a pessoa que está ao lado, jogos de erosão emocional e memória. Traça correspondências inesperadas entre o espaço e o tempo.

Em seus trabalhos, como analisa o poeta Antonio Fernando de Franceschi, as expressões literária e plástica preservam suas autonomias, apesar de se impregnarem mutuamente. Nos poemas, nas gravuras e nos romances – e principalmente nos seus encontros – Alberto Martins trabalha quase no limite da sugestão.

Um breve trecho saiu no caderno Ilustríssima, do jornal Folha de São Paulo.

 

 

 

 

LÍVIA E O CEMITÉRIO AFRICANO
Autor: Alberto Martins
Editora: Editora 34
(160 págs.)

 

 

 

 

Send to Kindle

Comentários