fotografia

“O fotógrafo saqueia e também preserva”

19 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“A humanidade permanece, de forma impenitente, na caverna de Platão, ainda se regozijando, segundo seu costume ancestral, com meras imagens da verdade”.

Susan Sontag, fotografia de Chris Felver

Sobre fotografia, de Susan Sontag, originalmente publicado em 1977, reúne ensaios que se tornaram clássicos pela originalidade com que extrapolam a reflexão sobre a história da fotografia e aprofundam-se na análise da nova ética da visão instaurada pelo advento da máquina fotográfica. Uma reflexão filosófica, sociológica e artística, sobre o mundo em que as relações humanas passaram a ser mediadas por imagens – “mundo-imagem”, como define Sontag.

A autora, ao longo dos seis ensaios que compõem o volume, analisa os domínios da técnica da fotografia, porém com um enfoque que separa a prática fotográfica do quadro social que a inventa e a consome. Os textos, de reflexão abrangente, são boa mostra da clareza da erudição de Sontag, cujo estilo é simples e preciso.

“A realidade, como tal, é redefinida pela fotografia”, ela diz ao problematizar as relações estabelecidas entre os acontecimentos e as imagens produzidas a partir deles. Sontag mostra como as noções de fato e representação embaralham-se nas sociedades industriais e consumistas, nas quais “tudo existe para terminar numa foto”.

A imagem fotográfica instaura questões filosóficas, pois é uma presença naturalizada da no imaginário social moderno, colocada assim numa posição especial no “comércio usualmente nebuloso entre arte e verdade”, A imagem pode redefinir a realidade; o “fotógrafo saqueia e também preserva, denuncia e consagra”.

No Brasil, o livro foi publicado há uma década pela Companhia das Letras, com tradução feita por Rubens Figueiredo.

Suas análises são intelectualmente instigantes e absolutamente atuais, como por exemplo quando ela aponta a característica de disposição aquisitiva do hábito da fotografia:

“[…] As fotos são, de fato, experiêcia capturada, e a câmera é o braço ideal da consciência, em sua disposição aquisitiva.

Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder. supõe-se que uma queda primordial – e malvista, hoje em dia – na alienação, a saber, acostumar as pessoas a resumir o mundo na forma de palavras impressas, tenha engendrado aquele excendete de energia fásutica e de dano psíquico necessa´rio para construir as modernas sociedades inorgânicas. Mas a imprensa parece uma forma menos traiçoeira de dissolver o mundo, de transformá-lo em um objeto mental, do que as imagens fotográficas, que fornecem a maior parte do conhecimento que se possui acerca do aspecti do passado e do alcance do presente. O que está ecrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas à mão, como pinturas e desenhos. Imagens fotográficas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir”.  

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Trecho da apresentação, escrita por Sontag:

“Tudo começou com um ensaio – sobre alguns dos problemas, estéticos e morais, propostos pela onipresença das imagens fotográficas; mas, quanto mais eu pensava sobre o que são as fotos, mais complexas e sugestivas elas se tornavam. Assim, um ensaio engendrava outro, e este (para meu espanto), ainda um outro, e assim sucessivamente – uma sequência de ensaios a respeito do significado e da evolução das fotos – até eu ter ido tão longe que o argumento esboçado no primeiro ensaio, e documentado e explorado por meio de digressões nos ensaios seguintes, pôde ser retomado e ampliado de um modo mais teórico; e pôde parar”.

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SOBRE FOTOGRAFIA

Autor: Susan Sontag
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 37,10 (224 págs.)

 

 

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